SOMOS TODOS VIOLÊNCIA.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.

Mais um jovem de classe média tem sua vida ceifada e sua morte causa grande comoção e justa revolta. Porque a morte ficou tão banal em nossa Cidade Maravilhosa nos últimos anos? Instalou-se no estado uma política de (in) segurança que prioriza a morte para depois investigar. Foram criados estímulos aos policiais que mais prendessem e recompensa financeira para os que mais matassem. Os policiais foram autorizados a matar na busca de uma pseudo segurança da população.

Jornalistas, a serviço da fobia aos pobres, apostaram nas medidas extremas de aumento das penas, redução da responsabilidade penal e exclusão dos pobres aos ambientes das classes sociais mais favorecidas. A policia foi autorizada a prender sem flagrante e impedir o direito de ir e vir aos mais pobres, que têm cerceados seus direitos ao lazer por simples determinação do Chefe das Polícias.

Morrem os Amarildos, as Marias, os favelados e operários, que imediatamente são taxados de “traficantes e marginais” como forma de “justificar” a pena de morte aplicada sem o devido processo legal. Diante dessa evidente contradição entre o texto da Constituição que garante os direitos de cidadania e a suspenção da normalidade constitucional democrática que impede que jovens revoltados com as injustiças que testemunham ocupem as ruas para protestar, porque logo são criminalizados e presos sob acusações diversas das que os levaram aos protestos.

Ora se a policia do Rio de Janeiro está entre as que mais matam no planeta, estarão os contra autorizados a matar na mesma proporção? Está claro que precisamos refletir que essa espiral de violência iniciada pelo aparato estatal, que deveria ser o primeiro a dar o exemplo de respeito às leis, não pode continuar. É justa a repulsa às mortes de policiais e de jovens de classe média, mas devemos sentir a mesma repulsa perante um número muito superior de mortes inocentes como resultado dessa guerra suja, onde só os pobres são presos e ocupam as modernas senzalas penitenciárias.

No momento em que o grito por liberdade de expressão é o pano de fundo para justificar o ceifar de vidas humanas, é bom lembrar que tão importante liberdade encontra-se sob controle de famílias oligárquicas e pelo grande capital que direciona, segundo seus interesses, o uso de tão importante e democrático direito. O uso dessa máquina de “fazer cabeças” tem levado alguns cronistas a pregarem a segregação e o apartheid social dos mais pobres impedindo-os de frequentarem as praias e logradouros públicos. Evidente que essa é mais uma forma de acirrar a raiva de jovens da periferia que insultados dessa forma reagirão de maneira imprevisível.