Quem amamentou Wellington?

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, membro da Associação Juízes para a democracia e estagiário da Escola Superior de Guerra

A tragédia de Realengo que custou a vida de 13 pessoas exige uma reflexão, não para identificar culpados e inocentes, mas para crescer ante esse fato antes nunca visto na escola do Brasil. Era previsível já que o perfil do jovem Wellington, se acompanhado por familiares e comunidade poderia ter gerado ações preventivas. Aliás, o sistema sócio educativo está cheio de adolescentes com esse mesmo perfil e, quem sabe agora haja um maior investimento no tratamento adequado.
Pouco se sabe sobre o perfil do responsável pela chacina porque sempre viveu ignorado tanto por seus familiares quanto por seus vizinhos e professores. O que se diz que ele era muito reservado, falava com poucos e tinha hábitos desconhecidos. Gostava de curtir sua solidão com a web. Não tinha namoradas, nem amigos.
Adotado apresentava um histórico de abandono por seus pais biológicos e a mãe biológica fora diagnosticada portadora de problemas mentais. Pelas manifestações de seus dois irmãos era um estranho em seu meio familiar. Perdeu há pouco tempo o pai adotivo e sua mãe, que parece, pelo conteúdo da carta que escreveu, a única referência de atenção que conhecera, tanto que manifestou o desejo de ser enterrado em sua companhia.
A solidão de seus 23 anos o oprimia e mesmo tendo freqüentado a escola onde perpetrou o crime planejado durante pelo menos três anos faltaram os recursos necessários para identificar a doença e lhe fazer companhia como era desejado. Recomendou cuidados religiosos com seu corpo que nunca fora tocado por uma mulher: afirmara-se virgem.
Pelo perfil das vítimas, mulheres em sua quase totalidade, parece que não foi amamentado nem com alimento, nem com a atenção. A forma cruel com que destinou às pobres meninas os tiros fatais atingindo o rosto para deformá-las e o tórax para não haver erros em seus desígnios demonstram o desprezo que tinha pelo sexo feminino.
Qualquer análise agora tem caráter especulativo, mas é de ser perguntar além da falta da maternidade, terá sido vítima do desprezo ou de bulling por parte de pessoas do sexo feminino? Que mulheres atormentaram sua solitária existência para serem tão odiadas? Além do abandono da mãe biológica, que outras mulheres o desprezaram ou maltrataram?

Como encaminhar as soluções para que casos assim não se repitam? Ninguém desconhece que o ambiente escolar tem sido contaminado por vários tipos de violência que se contextualiza em diversos segmentos sociais a partir da família. Algumas propostas já foram feitas para administrar conflitos e prevenir violências nas escolas.

É necessário praticar, aprender a ouvir, a dialogar, construindo vínculo entre diferentes dentro da escola (crianças, jovens, professores, funcionários, gestores e famílias) e entre a escola e o mundo lá fora (poder público e sociedade, universidades e empresas).

Por que, ao ver alguém como absolutamente outro, parte-se desde logo de uma lógica de exclusão, sem antes tentar entender melhor o que está em jogo e tentar aprender com as diferenças?

O modelo participativo a ser implantado deve estar atento às diversidades culturais e sociais e não excludente. O Projeto de Justiça Restaurativa que se experimenta em algumas cidades brasileiras e que já está consagrado em outros países como a Nova Zelândia, por exemplo, representa um esforço na construção de um modelo socialmente democrático de resolução de conflitos, marcado por um forte envolvimento comunitário.

O projeto é pautado por uma busca de promoção de responsabilidade ativa e cidadã das comunidades e escolas em que se insere e baseia-se na parceria primeira entre justiça e educação para a construção de espaços de resolução de conflitos e de sinergias de ação, em âmbito escolar, comunitário e forense.

Além desses projetos, são necessárias ações como dotar as escolas de orientadores educacionais, psicólogos e pedagogos que acompanhem os estudantes e seus familiares, assim como fomentar a institucionalização das Escolas de Pais, instrumentos de apoio e orientação das famílias nesse difícil e complexo processo educacional de formar cidadãos.

O que faltou a Wellington continua faltando a milhares de crianças brasileiras, sobretudo naquelas que habitam temporariamente as instituições de cumprimento de medidas sócio educativas. A qualquer momento tragédias como a de Realengo podem se repetir e não é admissível que administradores públicos continuem se fazendo de inocentes.

O abandono afetivo, psicológico, assistencial, educacional, familiar e, sobretudo a ausência de políticas públicas que respeitem e efetivem os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são os ingredientes para novas violências. Quando as crianças são amamentadas com violência, respondem com violência. Quando são tratadas com respeito e afeto são cidadãos do bem e exalam amor e solidariedade.