ESTUPRO RONDA A INFÂNCIA DO RIO.
SIRO DARLAN, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, membro da Associação Juízes para a Democracia e Estagiário da Escola Superior de Guerra.

Uma criança de 11 anos foi vítima de violência sexual praticada por quatro adultos num matagal na cidade fluminense de Natividade, um dos criminosos era seu pai. A criança morreu e os suspeitos somente foram identificados porque um diligente delegado fizera exame nas fezes encontradas na cueca dos suspeitos. Na primeira instância três acusados haviam sido condenados e no Tribunal o relator do processo propôs a anulação do processo com a absolvição dos porque a prova havia sido produzida sem o consentimento. A condenação foi mantida por maioria.
Essa foi uma das poucas condenações de violadores de crianças obtidas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em sua grande maioria os casos sequer chegam à denúncia e quando chegam as provas são tão frágeis que resultam em impunidade dos acusados. Isso tem uma explicação na negligência e falta de instrumentos para melhor apuração de crimes praticados contra a infância.
Em 2006 o Instituto de Segurança Pública da Secretaria do Rio de Janeiro ao editar o Dossiê Criança já havia apontado que em 92% das ocorrências policiais envolvendo crianças e adolescentes, elas eram vítimas e em apenas 8% constavam como agentes de violência.
Outra pesquisa da Fundação Osvaldo Cruz alertava que em quinhentos casos de violência contra crianças e adolescentes levados à justiça, apenas uma havia resultado em condenação do acusado. Apesar dessa evidência todo há 14 anos que renovo às diversas administrações do Tribunal de Justiça a necessidade de criação de uma Vara Criminal especializada em violência contra crianças e adolescentes e os juízes que auxiliam a presidência, repetindo os mesmos argumentos de falta de demanda, levam à negação dessa evidente necessidade.
No final do mês de abril o Instituto de Segurança Pública, com a autoridade que tem para falar de violência no Rio de Janeiro, anunciou que no ano passado 2006 meninas com menos de 14 anos foi vítima de violência sexual no Estado. Esse número representa 53,5% dos 3.751 casos de estupro de mulheres no período. O detalhe é que já existem quase duas dezenas de Varas Especializadas em violência contra Mulheres, mas contra crianças e adolescentes nem uma.
Os dados divulgados apontam que os registros de estupros cresceram 25% entre 2009 e 2010, passando de 4120 para 4589, e, enfatiza que 18% são de crianças e adolescentes do sexo masculino, que estão fora da proteção da Lei Maria da Penha.
É triste constatar que no Tribunal considerado o melhor do país, a criança e o adolescente continuem sem proteção tanto no campo das crianças carentes ressentidas de uma ação protetora que assegure um sistema de garantia de direito mais ágil e eficiente. Onde os abrigos são da pior qualidade, e não há uma fiscalização eficaz, quanto no sistema de colocação em família substituta onde os processos de adoção são lentos e burocráticos. Pior ainda é a área destinada à aplicação das medidas sócio-educativas, sendo o Rio de Janeiro um dos poucos estados da federação que ainda mantém impunemente uma unidade para adolescentes dentro do sistema penitenciário para adultos.
A falta de cuidado com a infância passa pela ausência de políticas públicas para assistir às famílias que abandonam as crianças nas ruas e logradouros, por falta de condições de sobrevivência digna, continua pela política higienista da Prefeitura resumida no “Choque Legal” da ilegalidade de recolher crianças e adolescentes para “lugar nenhum” violentando seus direitos fundamentais sob o olhar complacente das instituições que deveriam fiscalizar e fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Tragédia de Realengo abalou a sociedade nacional e internacional com vítimas entre criança e adolescentes que se encontravam numa escola da Prefeitura. Espera-se que desse fato tão triste sejam tiradas lições que provoquem maior cuidado com as crianças. A primeira decepção não tardou a chegar: a Secretaria de Educação de forma absolutamente incessível ao invés de transformar o local num Memorial contra a violência às crianças, volta a abrigar no mesmo espaço crianças em processo de formação e desenvolvimento.
Esse ato insensibilidade é comparável à construção de uma creche para abrigar crianças judias nos campos de concentração onde seus pais foram sacrificados. O estigma da violência acompanhará esses estudantes por toda a vida e a Escola que deve ser local de boas lembranças e boas amizades será sempre rememorada pelas perdas e de falta de cuidado.
Com a mesma técnica e material pré-moldado com que se constrói em uma semana uma Unidade de Policia Pacificadora, poder-se-ia construir várias escolas para as crianças de Realengo, mas mantê-la no palco do crime é mantê-las sob tortura permanente num ambiente em aprendizado e construção de seu caráter e cidadania.
Assim são tratadas as crianças do Rio de Janeiro, alimentadas por uma violência que terá uma resposta muito em breve. Urge que se reverta esse quadro, com mais cuidado, amor e respeito pela infância.