As vítimas eleitas.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.

Em julho de 1993 fui entrevistado pela Revista Pixote e declarei que “Eu lido com aqueles que são mais agredidos porque indefesos. São crianças que reúnem em si todas as tendências de crueldade da sociedade.” Hoje vendo algumas matérias jornalísticas que investem no terrorismo do medo, vejo que essa crueldade exacerbou-se a ponto de elegerem crianças famintas e abandonadas como a inimiga pública número 1. O alvo a ser abatido para mudar o foco dos verdadeiros agentes de violência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente tinha menos de três anos de vigência e as crianças de então têm mais de 22 anos atualmente, Viram sua infância e adolescência passar sem sentirem os efeitos desejados pelo legislador cuja lei não foi praticada pela família, pelo Estado e pela sociedade. Como forma de inocentar os agentes da violência praticada pela falta de políticas públicas, desrespeito à Lei 8069/90 e a corrupção que tanto dinheiro público desviou de sua finalidade, é mais fácil aliar-se à mídia que tanto deseduca o povo para excluir mais ainda crianças e adolescentes indesejados.
Como numa aliança política espúria, o rol de aliados é muito extenso e de interesses os mais variados. Uns desejam apenas desviar o foco de seus desmandos, outros manter seus privilégios, alguns não querem sair do comodismo de seus gabinetes, mas o discurso é o mesmo: 1% da população juvenil que comete atos infracionais é o responsável por toda violência que vivemos. Os banqueiros soltam rojões porque continuarão com seus juros extorsivos. Os corruptos conseguirão tapar o sol de suas fortunas com o encarceramento de jovens maltrapilhos e Dona Themis manterá sua venda encobrindo sua vergonha.
Interpretes da lei dão sua versão fascista tornando exceção em regra, eis que pelo texto constitucional a regra é a liberdade. Apenas nos casos expressos na lei e com ordem fundamentada de autoridade judiciária competente se justifica a prisão. Mas o editorial de um agente de comunicação da mentira afirma que as medidas socioeducativas destinadas a adolescentes (de 12 a 18) devem ser aplicadas também aos que não mais ostentam essa condição legal de adolescentes. É a máxima de quanto mais exclusão melhor e quanto mais injustiça mais violência.
O ódio que permeia as relações humanas numa sociedade dita cristã e o alto percentual dos que desejam a redução da maioridade penal nos remete ao Julgamento de Cristo, quando tanto quanto hoje foi muito veemente a opinião pública dominante daqueles que condenaram à morte o Divino Mestre que tanto amava as crianças.