Um tribunal de exceção.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.
Dois homens de bem, educados e instruídos, desentenderam-se, um pensando que iria ser agredido pelo outro. A violência e o medo estão no ar que respiramos. Assim pensando, acreditando que iria ser agredido, um deles prepara-se para se defender de uma putativa agressão. Esse fato é agravado pelos modernos meios à nossa disposição e mostra bem que nenhum estava em seu equilíbrio habitual, portanto, sem entender o caráter violento dos fatos que protagonizavam.
Esse fato passaria despercebido na crônica de violência de uma cidade habituada com a morte com naturalidade e à perda de preciosas vidas inocentes, sem qualquer emoção, se não fossem magistrados os envolvidos. Magistrados, seres humanos falíveis como somos, estamos sujeitos às emoções, embora culturalmente e institucionalmente sejamos impedidos de ser como toda gente.
Passado o calor da emoção, ambos dialogam e resolvem, como cidadãos de bem, submeteram-se a um processo de mediação de conflitos, e se reconciliam selando a paz entre os homens de boa vontade, como prega o Bom Rabino. Como afirma Martha Medeiros “Se errou, pede desculpas. Se acertou, repita. Se tem que fazer, faça. Se prometeu, cumpra”. Esse abraço reconciliatório tem como cenário o Gabinete do Presidente do Tribunal, que o presencia, assim como diversos outros julgadores, que se transmudam em testemunhas da grandeza de um ato de pacificação.
O Tribunal de Justiça do Rio tem se destacado no país por incentivar a solução dos conflitos, alcançando um entendimento satisfatório, “sem a necessidade de submeter-se ao desgastante financeiro e emocional de um processo judicial.” Estimulados por esse princípio adotado pela magistratura fluminense, os dois contendores, em efêmera situação adversa materializaram a paz com um pacificador abraço, regado por sinceras lágrimas de emoção, arrependimento e perdão mútuos. A mediação apregoada foi exitosa e a paz abrilhantou a assinatura de um acordo em que ambos desistiram de que qualquer ação, que contrariasse os objetivos abençoados pela missão da Justiça de plantar a paz na sociedade fosse intentada.
O Ministro do STJ Luís Felipe Salomão, oriundo do Rio de Janeiro, assim se manifestou em artigo recentemente publicado: “Soluções extrajudiciais representam o avanço do processo civilizatório da humanidade, que de maneira consciente, busca mecanismos de pacificação social eficientes”. Não cabe a nenhum tribunal a prática de atos que contrariem o processo civilizatório e prestigiem a barbárie.
Nenhum tribunal há de permitir que se contrariem os objetivos de pacificação das pessoas e da sociedade. Apenas nos regimes de exceção, tribunais ousaram servir a princípios que contrariam a dignidade das pessoas humanas arvoraram-se em ferramenta de perseguição às ideias, e ao livre imaginário de intelectuais, artistas e pensadores. Assim, o holocausto foi fruto da homologação por tribunais que perseguiram pessoas etnicamente diversificadas em nome de pseudossuperioridade racial das que detinham o poder.
Uma vez selada a paz entre os contendores, não é lícito a ninguém remexer essa ferida curada, por que os legitimados abriram mão da contenda, em benefício da paz. E é a paz que nos cabe plantar e trabalhar para que ela reine na sociedade. A despeito de haver aqueles de má vontade, a chegada do Salvador ao mundo foi marcada por cantos de glória aos homens de boa vontade para que vivam em paz. Com essa boa nova, espera-se em qualquer outra medida que não seja o respeito à vontade das partes legitimadas se reconheça o inconfundível cheiro de exceção. Não se pode imaginar a imagem contraditória do plantar conflitos onde já há a paz por iniciativa daqueles cuja principal missão é busca-la no objetivo final resolução dos conflitos.