O Estatuto da Família. Que família?

siro (1)Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e membro da Associação Juízes para a Democracia.

 

A Constituição Brasileira afirma que a família é a base da sociedade e te m proteção do Estado e deixa sua definição em aberto, aduzindo apenas que se entende, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. O legislador constitucional atento à velocidade das transformações impostas pela sociedade moderna, altamente industrializada e robotizada, sofrendo as mutações e se decompondo a cada modificação dos novos estilos de vida.

1A família pode pressupor o casamento ou não, tanto que expressamente reconhece a união estável como entidade familiar e sugere sua facilitação para a conversão em casamento. Em qualquer conceito que se queira dar à entidade familiar será sempre fundamental a existência de uma ligação afetiva. Nossa Corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal em recente decisão ampliou o conceito moderno de família e estendeu-o em ao ser chamado a decidir a respeito da união estável para casais do mesmo sexo, assim se pronunciou: “Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes, regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida de que a Constituição Federal de 1988 permite seja a união homo afetiva admitida como tal.” Ministro Marco Aurélio.

Esse avanço encontra-se agora ameaçado pelo Projeto de Lei 5069/2013 em tramitação no Congresso Nacional que restringindo o conceito de família à união única entre o homem e a mulher condena a marginalidade milhares de famílias brasileiras formadas por pais adotivos, casamentos infelizes refeitos através de outras uniões, famílias mono ou poli afetivas, dentre outras as diversas modalidades de entidades familiares criadas pela cultura e os costumes brasileiros ao longo dos anos.

O Ministro Celso de Mello, já havia se pronunciado profeticamente que: “É arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, exclua, discrimine ou fomente a intolerância, estimule o desrespeito e a desigualdade e as pessoas em razão de sua orientação sexual.” Parece que o Ministro já estava prevendo em 2011 que uma escalada fundamentalista no Congresso Nacional atentaria contra as conquistas dos direitos individuais e humanos que o legislador constituinte de 1988 positivou aquilo que já era costume, aquilo que de fato já existia na sociedade, ampliando o conceito de família e protegendo, de forma igualitária, todos os seus membros.

Na verdade, não foi a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que a mudança na concepção de família ocorreu. A Lei Maior apenas codificou valores já sedimentados, reconhecendo a evolução da sociedade e o inegável fenômeno social das uniões de fato, consagrados definitivamente com a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal nas Adin 4277 e a ADPF 132.

O texto do Estatuto da Família exclui do princípio da legalidade não apenas as uniões homo afetivas, mas diversas outras modalidades de famílias, como a adotivas, as formadas por pessoas solteiras, filhos frutos de inseminação, além de outras minorias igualmente consagradas pelo princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade de todos perante a lei. Negar direitos às minorias e a maioria é incompatível com o Estado democrático de Direito.

A Constituição Brasileira expressa: família, casamento, entidade familiar, mas não faz distinção e nem referência à vida familiar. A família pressupõe o casamento independentemente de ter filho ou não. O direito de fundar uma família não é condição para o direito de casar. Cada um tem existência separada. A incapacidade de conceber ou criar uma criança não é em si à privação de casamento. E hoje tem sido cada vez maior o número de famílias homo afetivas que adotam nos Tribunais brasileiros. Esta é também a interpretação pela Corte Europeia dos Direitos do Homem, do artigo 12 da Convenção. Ao reconhecer a união estável para proteção do Estado, esta deve ser entre homem e mulher. Como vimos os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos pelo homem e pela mulher. Entende como entidade familiar, também a comunidade de qualquer dos pais e seus descendentes. E quando a Constituição entente como entidade familiar, também a comunidade de qualquer dos pais e seus descendentes. Não exige que sejam solteiros, casados, separados, ou divorciados, portanto não exclui nenhum outro conceito para entidade familiar.