About mice and men.

De maneira muito diferente do que fizeram as autoridades judiciárias do Estado do Rio de Janeiro, o Presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Min. César Peluso, lucidamente declarou no Bom Dia Brasil de hoje o seguinte:

“O CNJ terá que tomar algumas atitudes mais drásticas para que um fato desses não se repita. E possa dar também tranquilidade aos magistrados. Isso revela uma falha que pode atingir … a tranquilidade dos juízes que estão trabalhando”.

Bravo, Presidente! Finalmente um alento, uma palavra de responsabilidade, ainda mais quando vinda da figura central do Judiciário de nosso país – a revelar senso de compromisso para com seus chefiados -, em franco contraste com a insensatez que até aqui vemos no Rio. Errar é humano, como se sabe. É trágico, nem se fale, quando resulta na morte de uma pessoa como Patrícia. Mas, nada pior do que insistir no erro. Juízes (embora haja os que não creiam muito nisso) são da espécie humana. Logo, também erram. O Min. Peluso, portanto, dá um exemplo de humildade e de espírito público quando procede da maneira que o TJRJ deveria ter feito desde o princípio: admite um erro, diz que se aprenderá com ele e que ações imediatas serão tomadas com base nesse aprendizado.

Era isso o que se esperava do Judiciário do Estado do Rio de Janeiro: um claro e sinceramente compungido mea culpa. Um pedido de perdão à família de sua servidora assassinada e à população pela incapacidade de zelar pelos seus. Uma reengenharia completa dos procedimentos que envolvem a segurança dos juízes ameaçados. “Houve falha, cidadãos! Erramos e pagamos caro por isso, com o sangue de um dos nossos! Houve um grande equívoco de nossa parte e vamos corrigir isso!”. Diga essas palavras, Sr. Presidente: elas não devem ser tão difíceis de pronunciar e são cruciais neste instante. Porque as medidas atrasadas, que estão sendo tomadas agora que a porta da vida de Patrícia foi fechada porque a do Judiciário não tinha cadeado, são tardias para salvá-la. A teimosia em se buscar alguma “co-responsabilidade” da vítima por sua eliminação é desrespeitosa ao extremo. Muito mais do que jamais poderiam ser as simples verdades que lhe foram ditas num artigo de jornal: tão claras e vívidas na opinião pública que é de espantar que V. Exa. ainda esteja à frente da Chefia do TJRJ e que o Órgão Especial não haja determinado uma investigação interna rigorosa para apurar as responsabilidades pelo desamparo em que se encontrava a juíza Patrícia Acioli (já pensaram se a comissão do Congresso Americano, que investigou os ataques do dia 11 de setembro de 2001, tivesse se limitado a apontar os nomes dos terroristas das aeronaves e de seus mandantes?).

Falando do Órgão Especial, não se viu uma reunião sequer ali para tratar da segurança dos magistrados de primeira instância ameaçados de morte, muito menos da juíza Patrícia Acioli, antes que esta fosse chacinada na porta de sua casa.

No entanto, bastou ser publicado ontem, em O Dia, um artigo assinado pelo Desembargador Siro Darlan (“Do insulto à injúria”, v. post abaixo), com severas críticas à Chefia do Judiciário – a atual e a que a antecedeu – para que os 25 Desembargadores daquele mesmo Órgão Especial se apressassem em aprovar “moção de apoio”, hipotecando sua incondicional solidariedade à autoridade mencionada no texto. Um minuto: é-me falha a memória ou estou correto em dizer que aqueles mesmos 25 (já pensou se fossem 21…?) desembargadores não fizeram isso para enviar uma simples nota de condolências à família de Patrícia ou para desagravar a honra dessa juíza que tombou num combate cujo calor (que dizer as ameaças e ainda menos as balas) não chega aos refrigerados gabinetes de segunda instância?

Bem, agora se escuta que serão designados juízes, promotores e recursos para o julgamento dos malfeitores que grassam em São Gonçalo (os de Duque de Caxias, de São João do Meriti, Nova Iguaçu, da Capital, etc., podem continuar a dormir sossegados). Também serão colocados detectores de metal na porta do Fórum daquela Comarca e reforçada a segurança do prédio. Antes tarde do que nunca. Antes algo do que nada. Mas, que recibo!

Por outro lado, dos magistrados da força-tarefa designada, o visível e compreensivelmente preocupado – além de honrado e corajoso – juiz Flávio Uchoa, não apenas teve que aceitar a missão de dirigi-la, como ainda precisou mostrar sua imagem para todos os canais de televisão do país, pois, assim, sem dúvida, se queria melhorar a do TJRJ. Para o próprio magistrado, porém, essa situação não poderia ser mais desastrosa. Nem bem assume o posto daquela sua colega que foi assassinada na mesma função e sua face já está divulgada para todos os bandidos do Brasil e do mundo. Deus o proteja, sinceramente, doutor Uchoa – porque, se o senhor depender do Tribunal a que está vinculado, melhor buscar outro emprego.

Prosseguindo o show de desnorteio público, ontem, no Jornal Nacional, o Presidente do TJRJ optou por rever a mambembe versão anterior, pela qual nas entrelinhas atribuía a desgraça ocorrida com Patrícia à suposta “inércia” da magistrada morta em diligenciar ela mesma por sua proteção (como se isso não fosse, antes, obrigação do Judiciário, ainda que a juíza houvesse expressamente recusado essa mesma cautela). Mas, a emenda ficou pior do que o soneto. Asseverou S. Exa., desta feita, que “parece” (me admira sempre a precisão com que o tema é tratado) que ela preferia ser guardada pelo Batalhão da PM de S. Gonçalo. Essas evidentemente incríveis declarações foram desmentidas pela família da vítima. Tomá-las como aceitáveis, em verdade, seria como admitir que um rebanho de ove lhas tivesse sido devorado enquanto suplicava para ser pastoreado por uma alcatéia (embora ninguém saiba, ainda, se foram mesmo lobos os autores do crime).

E o pedido de segurança dos familiares da vítima, dos funcionários que com ela trabalhavam e outros cidadãos que continuam ameaçados no contexto do crime? Continua a esperar um ofício deles para que possa ser providenciada ou um espaço na agenda do Governador?

E como fica tudo isso diante da pública declaração da Corregedora Nacional de Justiça, em que esta afirmou que o nome de Patrícia Acioli NÃO constava da lista por ela recebida, com os nomes dos magistrados que precisavam ser protegidos no Estado do Rio de Janeiro?

E a posição do TJRJ sobre o noticiado hoje, em O Globo (mesmo sendo esse periódico um parceirão do TJRJ – quem lê esse jornal nem sabe que o Tribunal está em chamas e deve achar mesmo que Patrícia ressuscitou), dando conta de que um agente da Polícia Civil teria informado à Polícia Federal do plano para tirar a vida de Patrícia, dois dias antes que este fosse concretizado?

E a lista de alvos da milícia que foi apreendida com o Gordinho, Presidente, contendo o nome da juíza Patrícia Acioli como sendo um deles?

E as respostas para outras “10 perguntas que não querem calar”, formuladas no blog do jornalista Marco Antônio Barbosa, do JB on line (v abaixo)?

À Associação de Magistrados Brasileiros (no que foi, ao que se diz, secundada pela do Estado), entretanto, se deve a pérola corporativista mais reluzente: “‘Não temos que procurar culpados entre nós. Quem matou a juíza foi o crime organizado’. disse Nelson Calandra”, presidente da entidade, segundo O Dia, em sua edição de hoje.

Dr. Calandra, para sua orientação doravante – já que, por ser desembargador em São Paulo, chega a ser compreensível que o senhor não saiba disso, uma vez que a imprensa por lá não repercute mais quase nada do que aconteceu aqui – “a juíza” tinha nome: se chamava Patrícia Lourival Acioli. Tinha também três filhos, família, amigos e um futuro brilhante pela frente. Mais: trabalhava tanto mandando bandidos pra cadeia, que não dispunha de tempo sequer para um chope, muito menos para a política associativa de sua categoria. E esbanjava uma coragem que nem 15 iguais ao senhor juntos jamais teriam se fosse possível cloná-lo. Talvez por isso ainda se encontrasse como “a juíza” em São Gonçalo, apesar de estar na carreira da magistratura havia 20 anos.

Sim, Dr. Calandra: quem atirou contra Patrícia foram os assassinos – o que parece relativamente óbvio. O que se quer saber é como estes conseguiram fazê-lo de maneira tão fácil, sem ajuda do “nós” a que o senhor se refere. Era da sua corporação (seu grupo de “nós” que precisa ser desatado) o dever – leia de novo, se não for incômodo: o de-ver, não a faculdade ou a opção (“oferecemos e ela não quis ser protegida” – é bem capaz…) – de garantir a segurança de Patrícia.

Se o senhor é realmente o representante dos magistrados – e não porta-voz oficial do Poder Judiciário do Rio de Janeiro ou candidato à reeleição da AMB para o biênio 2013/2015 (quem sabe a uma vaguinha no STJ?) – é recomendável que busque exemplos de reação à altura do momento aqui vivido, por exemplo, naquilo que seus pares na Itália fizeram quando a máfia liquidou Giovanni Falconi. Seu lugar, doutor, é do lado “da juíza”, seja quem for, o que ou quem precise ser investigado. Acho que, como disse o desembargador Siro Darlan para o atual Presidente do TJRJ, o nobre representante (?) nacional da categoria dos juízes perdeu uma excelente oportunidade para conservar sua boca Calandra e melhor faria se pedisse para sair. Porque aqui, doutor, mantido o tom Capitão Nascimento � � que se vê também muito necessário na terra do Marcola (chefe dos que mataram seu Juiz-Corregedor – em crime cuja investigação até aqui não deu em coisa alguma – como parte do “Salve Geral” a que São Paulo foi condenada até que as “autoridades”, inclusive judiciais, de seu Estado “arregassem”) -, “o inimigo é outro”: é o sistema que não só paga o salário do miliciano que dispara a arma, como gasta mais dinheiro público na compra desta e deixa tudo prontinho para o crime.

Entre o festival de corporativismo que os juízes do Estado do Rio de Janeiro vêm deixando ser performaticamente levado adiante, sem que voz se erga contra isso – salvo a do Desembargador Siro Darlan, até agora -; e a sincera ponderação do Ministro Presidente do STF/CNJ, dá alívio à alma saber da última e profunda tristeza presenciar o primeiro.

A atitude do Judiciário do Estado – aplaudida pela AMB – lembra a do Reino Unido antes da II Guerra Mundial. A Alemanha de Hitler se armava até os dentes, cruzava festivamente as fronteiras da Áustria e invadia territórios da antiga Checoslováquia, até que tomou esse país inteiro. Lorde Neville Chamberlain, primeiro ministro na ocasião, foi levado no bico pelo esperto Adolf e mesmo Mussolini, para deixar que se loteasse o antigo aliado invadido (leia sobre o chamado “Acordo de Munique”, de 29 de setembro de 1939), em troca pretensamente da paz. Churchill bradava por pelo menos 10 anos no Parlamento para que os bretões se armassem e se preparassem contra o antigo rival (o mesmo da I Guerra). Era, por isso, chamado de beligerante, de traidor, de inimigo da pátria e outros epítetos ain da menos abonadores. O resultado, após Hitler ter mais uma vez rasgado o que assinara, foi a invasão da Polônia (em março de 1939) e o início do conflito que marcou o mundo pelos próximos 6 anos. Churchill, em frase dirigida a Chamberlain – que pouco depois sairia do cargo de premier para permitir que entrasse o vigor daquele – sintetizou os fatos em frase de efeito, bem a seu estilo: “Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra – e terás a guerra”.

As UPPs vêm funcionando como uma espécie de Tratado de Versailles no Rio: “asseguram” territórios aqui e ali, enquanto deixam o inimigo agir mais para lá. Até aí, nada de errado. Toda caminhada começa com o primeiro passo, diz uma canção popular. No entanto, tal como Hitler, traficantes, milicianos, integrantes de grupo de extermínio e de máfias de vans ou caça-níqueis não são confiáveis. Siro Darlan deu um brado a la Churchill e está sendo objeto de ferozes críticas (como foi aquele “beligerante” inglês) dentro da sua corporação. Enquanto isso, o Presidente do TJRJ continua atuando como um Chamberlain e seus pares como os integrantes do parlamento britânico em 1938. A morte de Patrícia foi a ocupação dos Sudetos. Deixem tudo ficar como está – como deve mesmo acontecer – e a ainda virão a tomada integral da Checoslováquia, a Noite dos Cristais, a invasão da Polônia e anos de fúria. Encarem os fatos e façam uma autocrítica e pode ser que exista salvação.

Reconhecimento de responsabilidade imediatamente; seguido de profunda reforma da estrutura de segurança e uma tão radical como rápida mudança do pensamento, da preparação e das ações do TJRJ: eis o único caminho para evitar a desonra e a guerra que certamente virão.

Se, em vez disso, tal como os generais Romanos com os exércitos turcos à porta de Bizâncio, a Presidência do TJRJ, seu Órgão Especial, a magistratura do Estado e a AMB continuarem a dedicar seu tempo a discutir temas que se equiparam ao famoso debate a respeito das cores que deveriam ser usadas nos estandartes dos exércitos da cidade sitiada (como moções de apoio a quem precisa de crítica), podem se preparar para virar Istambul.

Ouçam o Min. Peluso.

E não se esqueçam de Patrícia Acioli!