JANIO DE FREITAS

O crime na frente

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Não se veem debates sobre iniciativas ou propostas de melhor resguardo dos que vivem sob risco agudo
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O ASSASSINATO DA JUÍZA Patrícia Acioli bateu como um choque generalizado, e indutor da atribuição de sua ocorrência à firmeza da vítima contra a criminalidade violenta. O abalo, à parte o componente de comoção pelas circunstâncias de ser uma juíza moça e colhida sem defesa, exprimiu a força da surpresa com a escalada da criminalidade até a vingança contra a Justiça.
“É um atentado à independência do Judiciário”, “Os projéteis atingiram também a dignidade de todos os brasileiros”, “A democracia foi atingida no que há de mais importante em segurança para a nação, o Judiciário” – as manifestações foram sempre claras em seu sentido de reação ao inesperado.
O surpreendente nesse crime, porém, não é a convicção de vindita como causa, embora a polícia investigue também a possibilidade passional em sua origem. Surpreendente nesse crime é que seja um ato isolado. Surpreendente é que não ocorram há muito tempo, em co nformidade com o nível da violência criminal no Rio e em cidades de São Paulo, os atentados a juízes que não se curvam aos seus riscos. E a promotores e procuradores que também ousam estar à altura do seu compromisso com a sociedade.
São eles uma multidão de pessoas expostas à violência dos sentenciados e comparsas. A proteção, nos casos mínimos de sua adoção, é precária já por dificuldades técnicas, e mais ainda por falta de meios para provê-la com melhor eficácia. A desproporção entre as possibilidades para um atentado e a segurança de seu pretendido alvo são assustadoras.
Em medida imprecisa, mas inegável, os que se ocupam dos processos e julgamentos criminais são também responsáveis por aquela desigualdade excessiva de condições. Não se veem debates sobre iniciativas ou propostas de melhor resguardo dos que vivem sob risco agudo. Há alguns anos, esteve em discussão a prática da audiência sem a presença física do juiz, feit a por meio de TV, talvez com o réu no presídio. Os prós e os contras esvaziaram-se sem deixar rastro algum. Haveria outros recursos para preservar a identidade do juiz, mas nem por alto foram considerados. Como se os julgados em varas criminais fossem todos pacíficos.
Não há dúvida de que a magistratura do Rio e de São Paulo deve um agradecimento à criminalidade pela falta, em relação ao Judiciário, do espírito vingativo exercido entre os bandos.
O mesmo não precisam fazer inúmeros juízes em outras regiões do país. A conduta do Judiciário do Pará em processos escandalosos como o da mortandade em Eldorado do Carajás e o do assassinato da freira Dorothy Stang, entre tantos outros, é eloquente sugestão do que compromete o Judiciário, e o põe sob condenação moral, por efeito da desproteção dos incumbidos de julgamento. Com o Judiciário, é a Justiça que se torna foragida.
Se o assassinato de Patrícia Acioli sinaliza nova etapa da cr iminalidade urbana, é o caso de reconhecer que está à frente do Judiciário.”