“É evidente que o assunto que me traz aqui hoje não poderia ser diferente, é o absurdo que o Rio de Janeiro vivenciou com o assassinato de Patrícia Acioli, juíza titular da Vara Criminal de São Gonçalo. Eu conheci a Patrícia na época do relatório da CPI. Era uma pessoa que tinha feito uma quantidade enorme de condenações sobre grupo de extermínios, sobre ações de milícia etc. Independentemente de qualquer avaliação sobre o trabalho da Patrícia, o fato é que ela foi cruel e brutalmente assassinada.

Esta Casa não pode ser indiferente ou considerar natural o que aconteceu. Não se trata de dizer que a vida da Patrícia valia mais do que a vida de tantos outros executados, mortos, torturados. Não é esse o caso. Na verdade, a vida da Patrícia vale tanto quanto todas as outras e é um pesar muito grande perder uma pessoa dessa maneira. Mas esse crime contra a Patrícia tem uma particularidade: é um crime contra o estado democrático de direito, é um crime contra o poder público.

Todo mundo sabe que desde 2008 eu vivo sob ameaça muito forte em função de ter enfrentado o crime organizado nesta Casa. Sempre contei com muita solidariedade da maioria esmagadora dos Deputados desta Casa. Sempre ouvi o que não é bom de ouvir, mas era comum o seguinte discurso: “Não Freixo, você fica tranquilo porque você é um defunto muito caro”. Ouvi muitas vezes esta frase: “Você é um cadáver muito caro. Você, a Patrícia Acioli, alguns promotores e delegados nunca farão alguma coisa com vocês porque a consequência será muito grande e eles não pagarão este preço.

Pois bem, pagaram este preço. Executaram a juíza Patrícia Acioli. E agora? O Tribunal de Justiça errou e muito, tem responsabilidade pelo que aconteceu. É inaceitável que uma juíza, com a responsabilidade que tinha, não tivesse o mínimo de proteção e garantia para fazer o seu trabalho. Todos sabiam que ela era uma pessoa que vivia sob risco. Todas as pessoas sabiam. O Tribunal sabia e por que não deu a proteção mínima? Pelo contrário, a avaliação do Tribunal é de que ela não precisava de tanta proteção e retiraram dela uma parte da segurança.

Uma das pessoas que ela havia condenado – e que estava presa – recebia visita sistemática de outro policial que estava na Coordenadoria Militar do Tribunal e que deveria dar proteção a ela, segundo o ex-Presidente do Tribunal. Ela falou: “Olha, não tem condições.” Não deram a ela sequer a possibilidade de escolher quem iria fazer a sua segurança. Isso é inacreditável!

Agora, tentar desqualificar a vítima, tentar falar das suas relações pessoais, além de tudo, isso é covarde e machista. Quero saber se fosse um juiz e se relacionasse com uma policial se alguém falaria alguma coisa. Ninguém falaria nada, mas porque era uma juíza tentam desqualificar a vítima de maneira absolutamente covarde no momento como este. É inaceitável.

A execução tem claras características que é padrão: a munição utilizada, a forma como aconteceu. Ninguém tem dúvida de onde partiu, precisa ser identificado e investigado, mas a consequência precisa ser drástica. As pessoas que estão para ser condenadas precisam ser julgadas com todo o direito de defesa, mas precisam ser julgadas exemplarmente, com transparência, com visibilidade.

O Estado neste momento não pode recuar, têm que ser dadas garantias absolutas. O Tribunal de Justiça está dizendo que colocou três juízes agora para lá. São três juízes que estão acumulando. Não são três juízes para continuar o trabalho, não. Não deixam que eles tenham outras funções. É mais uma farsa no Tribunal. É um absurdo a tentativa de desqualificar a vítima neste momento. É inaceitável!

O Tribunal de Justiça não tinha recursos? Não tinha dinheiro? Tem dinheiro para dar para a Delta reformar o prédio do Tribunal de Justiça, mas não teve dinheiro para comprar um carro blindado para que a juíza tivesse o mínimo de garantia de trabalho para exercer a sua função pública. Para isso não tem, mas tem dinheiro para a reforma com a Delta. Qual é a prioridade? É isso que temos que discutir aqui. Se a consequência não for absolutamente radical, se a consequência não for imediata, visível, transparente a esses grupos, lamentavelmente a Patrícia terá sido a primeira de muitos.

É uma porteira que se abre e eu venho denunciando há bastante tempo. A milícia tem estrutura de máfia, a milícia se organiza como máfia e como máfia executou um representante do poder público que entrava no seu caminho, como tantas outras máfias de outros lugares, confirmando uma estrutura de funcionamento de máfia. E não é estado paralelo, é estado leiloado. É por dentro do Estado. São agentes públicos que movem por dentro do Estado com projeto de poder, ocupando vagas inclusive aqui na Assembleia Legislativa. Enfrentamos isso por dentro.

Os Deputados que estavam na legislatura anterior se lembram bem disso, sabem como era duro aqui dentro, mas enfrentamos. Estão espalhados pelas Câmaras de Vereadores e a do Rio de Janeiro ganhou mais visibilidade porque conseguimos colocar alguns na cadeia. E as outras prefeituras? Quantos têm lá que são representantes destes grupos criminosos? Porque é o crime com projeto de poder. É disso que estamos falando.

Não é possível ser tratado com banalidade isso que aconteceu com a Patrícia. Ela pode ser a primeira de muitos, se a consequência não for radicalizada. O Poder Público não tem um projeto de enfrentamento ao crime organizado, não tem isso como prioridade. Não tem. A lógica da segurança é outra há muito tempo, não se trata de um ou outro governo. Deputado Zaqueu sabe o que estou dizendo.

Você tem uma meia dúzia de dois ou três Deputados, uma meia dúzia de três ou quatro delegados, uma meia dúzia de promotores e pouquíssimos juízes enfrentando o crime organizado, mas não há um aparato, não há uma estrutura do Estado de enfrentamento ao crime organizado, até porque as relações desse Estado e dessa elite política corrupta, com esse crime organizado, realimentam o próprio Estado, reproduzem essa elite corrupta. É disso que a gente está falando. Por isso não se prioriza o enfrentamento do crime organizado, porque esse Estado se alimenta dele e tem relações nefastas com ele.

Quero dizer que recebi mais um disque-denúncia. Todo mês eu recebo pelo menos um, e esse, pela primeira vez, associa possíveis mandantes do crime da Patrícia Acioli a novas ameaças a mim e a um Juiz Federal, a um Juiz Criminal Federal de Niterói. Seriam presos do Ary Franco que teriam programado: se é verdade ou não, não me cabe averiguar. Cabe a poílícia investigar, cabe à polícia apurar, mas é mais uma informação e nenhuma informação, em um momento como este, tem que ser descartada.

Eu não vou recuar de qualquer coisa que eu tenha feito até agora. Não vou, mas quero dizer que conto com proteção e não é favor que me fazem porque a proteção com que conto é fruto do exercício do meu trabalho. Tenho que ter proteção sim, dela não abro mão, tenho, assim como a Patrícia deveria ter, como outros promotores deveriam ter, como outros juízes, porque o Estado tem que dizer que quer enfrentar o crime organizado. Ou então ser sócio dele como tem sido até agora – é isso que está em jogo – em respeito absoluto à memória da Patrícia. E, pela necessidade imediata de combate ao crime organizado, que pelo menos sirva como lição tudo o que aconteceu e que a gente não naturalize a barbárie, porque não é natural”.
Pronunciamento do Marcelo Freixo, em plenário da Alerj no dia 16/8/2011, sobre o assassinato da juíza Patrícia Acioli.

“Mais uma vez, venho à tribuna para falar do principal assunto do Rio de Janeiro, lamentavelmente na última semana, que é o episódio envolvendo a juíza Patrícia Acioli, barbaramente assassinada em Niterói por conta do seu trabalho, por conta do exercício da sua profissão. Ontem (16/8), eu me pronunciei, falei sobre esse caso, mas há outros elementos e pretendo continuar me pronunciando enquanto a resposta adequada não for dada pelo poder público.

Mais uma vez, quero dizer que lamento profundamente a postura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Considero inaceitável que o Tribunal de Justiça, oficialmente, não tenha admitido que errou. Muito pelo contrário, tem tentado, em inúmeras falas, algumas diretas, outras indiretas, desqualificar a vítima. Estão matando pela segunda vez a Patrícia. Isso é inaceitável!

A tentativa de desqualificá-la, seja por um motivo ou por outro, dizendo que ela morreu porque não pediu proteção, porque não houve um ofício, é um absurdo, é um ato de extrema covardia, como se o problema fosse burocrático, fosse um ofício. Quem do Tribunal de Justiça não sabia que aquilo poderia ocorrer? Não acreditavam que pudesse ocorrer, mas sabiam que aquilo poderia ocorrer. As ameaças existiam, existiam escutas telefônicas, existiam ameaças concretas. Os sucessivos Presidentes do Tribunal sabiam disso e não tomaram providências. Ao contrário, diminuíram a segurança da juíza, reduziram o número de policiais, tiraram o carro da juíza, o carro da segurança, quando na verdade deveriam dar a ela um carro blindado para que pudesse ter mais segurança. Por que não o fizeram?

Ela prendeu mais de 60 milicianos, boa parte deles indiciados por nós na CPI das Milícias. Está aqui, este é o relatório da CPI das Milícias. Eu fui Presidente dessa CPI, o Deputado Gilberto Palmares foi o relator. Este relatório foi aprovado nesta Casa em 2008 por unanimidade. Indiciamos 225 pessoas e pedimos a investigação de mais de mil. Uma parte considerável delas foi investigada e presa pela Patrícia, que trabalhou conosco.

Essa Casa tem a responsabilidade de acompanhar esse debate. Hoje a Comissão de Direitos Humanos aprovou o acompanhamento oficial do caso. Nós vamos à Delegada Martha Rocha e a Comissão vai oficialmente acompanhar cada passo dessa investigação, com todo o respeito à autonomia e à independência que a Polícia Civil tem que ter. Eu quero dar credibilidade a essa investigação, que vai ser cobrada. A resposta precisa ser dada, senão, a Patrícia será a primeira no meio de muitos. É isso o que eu estou querendo dizer.

Dizer que a Patrícia não pediu proteção é uma vergonha! Os documentos começam a aparecer, e eu os citei aqui. Ela pediu reiteradas vezes a possibilidade de ter proteção adequada. Pediu que não reduzissem a sua escolta, que a aumentassem. Existe uma coisa que é elementar, e falo na condição de quem, infelizmente, vive com escolta, vive com carro blindado. Em função exatamente da CPI, sofro diversas ameaças – há duas na minha mão. Esta semana nós recebemos duas, dois Disque-Denúncia, estão aqui, na mão.

Já pensaram se eu não pudesse interferir na escolha dos meus seguranças, não pudesse conhecê-los, não pudesse saber quem os indica? Como não? É uma pessoa que vai saber onde eu moro, quem é a minha família, como vivem os meus filhos, como vive a minha mulher. São pessoas que vão ter acesso direto à minha privacidade. É evidente que a pessoa que vai receber proteção tem que participar da escolha de quem vai protegê-la. Negaram esse direito à Patrícia, o direito mais elementar.

Queriam que a escolta viesse de um setor militar de dentro do Tribunal de Justiça cujo nome me falha agora. O setor responsável por isso tinha um policial – tem até hoje –, um coronel da polícia, que está lá até hoje, que foi visitar policiais presos pela Patrícia. É da Coordenadoria Militar, lembrei. Faz parte da Coordenadoria Militar do Tribunal de Justiça um coronel da polícia que visitou policiais presos pela Patrícia. Era esse órgão que teria que dizer quem eram os seguranças que iam acompanhar a juíza. Isso é uma piada! Isso é uma vergonha! Isso tem que ser dito.

O Tribunal não sabia das possibilidades de um atentado contra a juíza? E agora, o que está em jogo? O poder público tem que ter a dimensão do que está acontecendo. A Patrícia não foi morta por causa da sua ousadia, da sua coragem; ela foi morta por causa da covardia dos outros, do silêncio dos outros. Por isso ela foi morta. Se todos agissem como a Patrícia, ela não seria o alvo.

É fácil ser um alvo quando a maioria se cala vergonhosamente. Esse é o problema que enfrentamos, não só no judiciário. Retiraram o carro da segurança porque falaram de despesa, que despesa? Como é que o Tribunal de Justiça fala em redução de despesa? Olha a obra que estão fazendo; contrataram a Delta para fazer reforma do prédio do judiciário e vem falar de redução de despesa retirando o carro da escolta da juíza? Isso é uma vergonha!

A primeira coisa que tem que acontecer é o Tribunal de Justiça reconhecer que errou. É isso que a família está esperando. O Tribunal de Justiça precisa dizer: erramos! Ele precisa ter a grandeza de dizer isso, porque se continuar tentando desqualificar a vítima e dizendo que não deu proteção porque não tinha um pedaço de papel, vai continuar sendo criticado e vai cometer esse erro com outros. Quantos vão precisar morrer? Quantos juízes hoje estão na linha de frente e estão repensando se poderão continuar fazendo isso?

O que estão em jogo agora é o poder judiciário, é o estado democrático, é o enfrentamento ao crime organizado. É muito sério o que está em jogo. O Tribunal de Justiça tem que reconhecer que errou, até para não errar novamente. Tem que ter grandeza e não tentar colocar sobre a vítima a responsabilidade do que aconteceu, porque é muita covardia.

Quero dizer ainda, que estamos muito longe de resolver o problema com as milícias. Temos denunciado aqui, sistematicamente, que eles têm uma estrutura de máfia; agem por dentro do Estado; são agentes públicos; ocupam a máquina pública; têm projeto de poder; elegeram Deputados que foram fundamentais na eleição de vários Deputados Federais; elegeram Vereadores. Alguns estão na lista da CPI e foram presos, porque fizemos o trabalho adequadamente, mas, mais do que isso, agora eles mostram, de fato, que agem como máfia. Mataram uma autoridade pública; executaram uma juíza. Atitude típica das máfias e não vão parar, porque pagaram o preço. O Estado tem que responder a isso, não o homicídio de uma juíza, mas um atentado contra o poder público. É isso que está em jogo.

O que acontecerá com o crime organizado depende da resolução deste caso. É muito profundo o que está acontecendo. Está na hora, Deputados, de cobrarmos do poder público que cumpram o que o relatório da CPI trás. O relatório da CPI das milícias tem 58 propostas concretas para enfrentarmos as milícias. Tirando as prisões dos milicianos que nós indiciamos, pouca coisa foi feita, além disso. O Prefeito Eduardo Paes continua fazendo a licitação das vans por cooperativas. Aqui nós pedimos que não fizesse isso. Ele recebeu em mãos este relatório, mas continua fazendo. Todas as vans do Rio de Janeiro continuam sendo exploradas por milicianos; extorquidas por milicianos. A Prefeitura sabe disso; tem responsabilidade sobre isso.

Os centros sociais continuam sendo financiados e funcionando. Vai a Gardênia Azul agora. Por que não tem uma UPP em área de milícia? Por que não tomam o território das milícias? São menos violentas? Que diga a memória da Patrícia. A favela do Batan não serve como exemplo. O Governo não sabe disso. Então, tem que ter coragem para fazer o debate; são 58 propostas.

Por que a Agência Nacional de Petróleo não aumenta o número de fiscais para fiscalizar a distribuição e a venda do gás? Tem que enfrentar o poder econômico das milícias que até hoje não foi enfrentado. Eles foram presos e este é um passo importante e esta Casa contribui muito para isso, mas não tiraram deles o poder econômico e nem o território, sabem por quê? Porque eles podem ser úteis na próxima eleição municipal; porque esta corrupção policial alimenta a corrupção política e lamentavelmente o poder público não tem coragem para enfrentar e é por isso que a Patrícia hoje não está entre nós”.
*Marcelo Freixo em pronunciamento no plenário da Alerj no dia 17/8/11