RECORD “ARREGA”, BAND VIRA “MAIS VOCÊ” E GLOBO, COMO SEMPRE, SE ENCARREGA DO DISCURSO OFICIAL
Ao contrário do informado por este blog por último, prevaleceu na Record o obscurantismo: a entrevista com as críticas do Defensor José Augusto Garcia ao TJRJ não foi exibida. Em seu lugar, pelo menos, a emissora exibiu uma reportagem, de cerca de 2 minutos, tocando superficialmente nos ofícios mandados por Patrícia à Presidência do Tribunal, pedindo proteção, e abrindo espaço para que o ex-chefe da casa e atual comandante do TRE se justificasse (como se isso fosse possível).

Compreende-se a atitude da emissora: afinal, havia uma eletrizante pauta com muito mais apelo público, em que seria mostrada a atuação da polícia e da prefeitura paulistas na casa de uma senhora que mantėm trancados consigo cerca de 50 gatos. Ia me esquecendo! Como contraponto aos maus-tratos e riscos derivados daquela felina situação, também foi mostrada a vida de um cachorrinho que foi encontrado à beira de uma estrada, quase morto. Salvo por um funcionário público, foi adotado por um veterinário e passa bem. Para esse tema foram alocados pelo menos 10 minutos do noticiário. Posso dizer que minha vida se transformou ao assistir aquilo.

O Jornal da Band fez sua parte, com uma cobertura de 5 minutos dedicada aos “pets” de madame e suas regalias, descrevendo os mimos de cães e gatos – festas de aniversário, banhos de ofurô, massagens, etc. – que levam donos a gastar de 5 a 10 mil reais. Tudo como se fosse a coisa mais natural do mundo esse tipo de procedimento num país em que a maioria das pessoas precisa trabalhar um ano para levantar uma grana dessas (sem chance de guardar na poupança sequer parte).

Nada contra animais: aqui em casa, além de mim, há um cachorro e uma ratinha. Mas, a escala de valores da Rede Record e da Bandeirantes revela bem a razão de vivermos num país tão alienado. Quando o mundo inteiro pega literalmente fogo, Brasília se atola no pântano da corrupção e o Rio leva 21 tiros na cara, é de cair o queixo que a imprensa “livre” consiga achar espaço para gastar com matérias que serviriam como uma luva no programa da Ana Maria Braga, ao passo que o desmoronamento do Judiciário vai minguando do noticiário paulatinamente.

Magnífica, contudo, foi a versão televisiva do Diário Oficial, digo, do Jornal Nacional, a respeito dos ofícios de Patrícia. Isso depois de O Dia já tê-los mostrado décadas antes.

Na reportagem, a emissora finalmente “revela” a existência dos ofícios remetidos por Patrícia à Presidência do TJRJ desde 2007 (os tais que nunca teriam sido encaminhados), apelando por ajuda em razão de ameaças que sofria. Os textos são esmiuçados como o faria um advogado de réu que analisa um processo em busca de falhas que possam evitar a chegada ao mérito (terá sido mesmo um jornalista quem escreveu essa matéria…?). Os papéis são recortados e é servida a nova versão (a 15a.?) que desqualifica a juíza: o problema, agora, é que ela “só” teria informado que estava sendo alvo das ameaças e não formulara pedido expresso de escolta (a “inicial” era inepta?). Além do mais, destaca o DO/JN, o departamento “encarregado” de proteger os magistrados procedeu com investigação (claro! Era fundamental apurar a verdade previamente! Onde já se viu!? Um juiz criminal de uma das regiões mais barra-pesadas do Estado ter sua palavra prontamente aceita e receber, por pura precaução, segurança imediata!). Interroga um por um os nomeados pela potencial vítima como sendo os autores da ameaça. Estes, ao depor, surpreendentemente, negam qualquer intenção criminosa. Resultado: não se vê motivo para que seja adotada medida alguma de proteção “extraordinária” para a defesa da servidora (a insegurança ordinária a que Patrícia se sujeitava era suficiente). O papelório atravessa a gestão de um presidente e avança pela de outro. Uma juíza auxiliar aprecia o assunto e numa canetada, expressamente mencionando orientação recebida do novo chefe, enterra o pedido de socorro, ao mesmo tempo em que cava o primeiro palmo da sepultura de Patrícia. Um segundo pleito é mostrado pelo canal, desta vez como dirigido diretamente àquele então novo Presidente, e da mesma forma é tratado: por ele e pela Globo.

Aparece a seguir o agora ex-presidente, que mostra o rosto e abre a boca para a opinião pública pela primeira vez, passados mais de 10 dias do silêncio a que condenaram Patrícia e em que voluntariamente se manteve quem na tela agora repete a nauseabunda cantilena: não havia pedido formal de escolta.

Tem toda razão S. Exa.! Patrícia escrevia os ofícios e falava de seus receios a todos a quem podia dentro e fora do Judiciário. Mas, quem em algum momento poderia entender que isso significasse que ela buscava amparo efetivo, se ela não dizia as palavras mágicas? Aliás, quais seriam mesmo? Se você é juiz, é bom aprendê-las logo. Sua existência pode depender disso! E quem teria a petulância de entender que um “Poder” deve tomar a iniciativa de sempre zelar pela autoridade e pela vida dos que atuam em seu nome? Afinal, há tanto por construir…

Duro não é apenas ver uma amizade de 30 anos interrompida por 21 tiros. Não é somente perceber o comportamento bovino da sociedade em geral e dos magistrados em específico. Não é simplesmente assistir cachorrinhos tomando banhos quentes com pétalas de rosas ou jornalista tapando o nariz para evitar o cheiro de xixi de gato; enquanto a verdadeira podridão é mandada para o lixo das editorias globais e universais. É ter a certeza de que nada, absolutamente nada, mudará depois desse tsunami institucional que representa a morte de Patrícia, gostem ou não de admiti-lo: nem no TJRJ (hoje uma versão institucional de Dorian Gray), nem no sistema legal, nem no Brasil e muito menos em nossa atitude como povo que perdeu a capacidade de se indignar.

Seguiremos todos mortos, enquanto a memória da juíza-mártir estará presente, a assombrar seus pares de maneira ímpar. Com a instituição que a desamparou e agora a escorraça vendo-a ressuscitar a cada corpo togado que for para a vala de hoje em diante. Serão esses novos cadáveres e o medo de virar o próximo alvo, de que se tornaram reféns os juízes, que jamais permitirão que se esqueça Patrícia Acioli.

Arlindo Daibert
Escritório Daibert de Advocacia
Av. Franklin Roosevelt, 137/12 – Centro
Rio de Janeiro – RJ
Tel./Fax: 55 21 3147-7800
www.daibert.com