siro (1)Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.

 

Um bebê de um ano e oito meses , Davi Lucas  da Silve Pereira ( foto) “é atropelado por trem na Zona Oeste e morre. Anuncia uma manchete de jornal.

Mais uma vida foi ceifada pela negligência do agente público concessionária. Muitos são os casos semelhantes que chegam aos tribunais buscando a tardia indenização que custa muito mais do que se o agente tivesse sido diligente.

A legislação não é nova e desde o advento das primeiras ferrovias o legislador tem a firmado a responsabilidade objetiva da empresa de transporte que tem o dever de cercar e fiscalizar o leito por onde o transporte se movimenta.

A falta do cuidado com a vida, sobretudo dos mais desvalidos, operários que residem à beira dos leitos ferroviários que muitas vezes necessita se deslocar para a escola, para o trabalho ou para qualquer outra finalidade e não encontra a ferrovia protegida como a lei impõe com cercas e passarelas. A jurisprudência dos tribunais tem resistido aos lobbies empresariais após a série de privatizações e concessões desse serviço e mantido a responsabilidade objetiva prevista expressamente na lei.

No entanto já existe alguma oscilação atribuindo culpas concorrentes ou exclusivas das vítimas, muito embora não haja previsão legal para tais interpretações. Não se pode tergiversar com o bem maior a ser protegido, que é a vida e não há justificativa para cancelas e outras impropriedades utilizadas pelos caminhos de ferro com imprudência capaz de ceifar tantas vidas deixando órfãos e viúvas á mercê das interpretações judiciais e dos inúmeros recursos que retardam o pagamento das indenizações devidas.

Recentemente num debate entre ilustres magistrados, registreis os seguintes comentários: “… não se pode esquecer dos casos (que não são poucos) de gente morta pelos mais diversos motivos (infartos, crime, etc…) que é jogada na linha do trem”. Tal afirmação é uma afronta aos peritos oficiais que atestam as causas das mortes, como se todos fossem venais ou incompetentes. E outra ainda mais característica do preconceito de alguns quando afirma: “trem não sai dos trilhos; faz barulho e trepidação quando vem chegando; anda em velocidade reduzida em áreas urbanas. Assim a vítima só pode ser atropelada se estiver, distraída, embriagada ou drogada, agir com extrema imprudência ou pretender suicídio.”

1Nenhuma sensibilidade com crianças, idosos ou deficientes diante da gritante negligência de quem tem o dever de cercar e fiscalizar que é nitidamente poupado pelo poder econômico que representa.

E para coroar essa ladainha de preconceitos: “Acrescento ainda que, em 100% dos casos, os autores são beneficiários de justiça gratuita, mas somente para o pagamento das custas processuais”. O que é óbvio porque os caminhos de ferro não atravessam a zona sul e os pobres estão sujeitos à separação dos trilhos onde não há a proteção exigida pela lei. Coincidentemente essas mortes causadas pela negligência das concessionárias ocorrem nas mesmas áreas onde são maiores as mortes provocadas pelos chamados “autos de resistência” segundo a Justiça Global e são ferramentas que têm em comum minimizar o valor da vida de cidadãos que moram na periferia e são, em sua maioria negra e pobre.