Estado Herodes.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.

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O Estado brasileiro consagra em sua Carta Magna o princípio da dignidade da pessoa humana e regra que toda criança e adolescente tem direito à vida, ao respeito e à dignidade. Em meio à crise moral, política e econômica em que vivemos a morte de mais uma criança de apenas 4 anos, quando brincava na porta da casa de seu avô é noticiada como se fosse um fato corriqueiro e que não mais causa nenhuma comoção a não ser em seus parentes e vizinhos mais próximos. Ryan é apenas mais um número nas estatísticas dos inocentes assassinados por uma política de segurança pública irresponsável que mata antes para depois identificar a vítima.

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Já é comum atribuir os crimes aos criminosos habituais, quando não se atribui à vítima essa qualificação, e está tudo explicado. Morreu porque era traficante. Não são poucos os casos de flagrantes forjados e locais manipulados para colocar armas nas mãos de vítimas para simular um auto de resistência. Muitas tem sido as crianças que tombam seja por balas atiradas a esmo, seja em razão das doenças que proliferam nas grandes cidades em razão da falta de saneamento básico e de cuidados com a saúde.

O direito de viver com dignidade é um sonho de nosso constituinte cada vez mais distante nas práticas de políticos que não respeitam a prioridade legal na efetivação dos direitos e crianças e adolescentes. Aqueles que sobrevivem à essa selva de desumanos resta enfrentar o preconceito da cor e da classe social de origem, mas muitos caem na rede da política segregacionista que apreende crianças e jovens alguns para serem colocados nos ambientes inóspitos e degradante dos abrigos públicos, sobretudo ante a aproximação dos grandes eventos, enquanto outros têm sua situação social criminalizada e ingressam no sistema sócio educativo do DEGASE, de onde só como muita sorte escapam sem a tatuagem de “criminoso para sempre”.

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Recentemente participei de um julgamento onde um jovem de 20 anos foi condenado a dois anos de prisão por haver furtado dois desodorantes e um aparelho de fazer barba. Fiquei vencido com a mesma revolta que deve ter levado esse jovem a praticar o furto. Ainda tive que ouvir do Procurador que desodorante não é furto famélico, mesmo que seu valor seja de menos de R15,00 reais, o que caracteriza a bagatela. Será isso fazer Justiça? Ou apenas homologamos o estado herodiano que mata e exclui os que ele classifica como “indesejados”?