Escravidão e Sistema penitenciário.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Quando um magistrado federal sugere que “pessoa mais pobre não liga e até gosta de ficar um pouco na prisão” e o sistema penitenciário pinta o perfil dos encarcerados como de pretos, pobres e analfabetos, compreende-se que passados 128 anos da abolição da escravidão no Brasil. Ela continua viva no encarceramento em massa que afeta proporcionalmente a população negra, na ausência de negros nos cargos de comando dos poderes da República, no linchamento e perseguição dos jovens negros, nos aprisionamentos por delitos de drogas, ao tratamento diferenciado que cidadãos negros recebem do aparato policial, do ministério público e do judiciário e no número absurdo de mortes violentas de que são vítimas predominantemente os cidadãos negros.
A população carcerária no Brasil, segundo o CNJ é de 712 mil presos com 60,8% de negros até 2015, enquanto os negros representam 51% da população brasileira. Para cada 100 mil habitantes havia 191 brancos presos contra 292 negros nas mesmas condições. O Brasil já ultrapassou a Rússia com 677 mil presos, sendo agora a terceira maior população carcerária do Planeta. Recentemente a ativista negra Angela Davis ao ser entrevistada quando de sua passagem pelo Brasil, declarou que “Brasil e EUA fracassaram em abolir a escravidão”. Essa afirmação vem a reboque de uma crítica feita quando os dois países, após séculos de exploração da mão de obra escrava, através de simples decretos declararam a emancipação dos negros, sem qualquer amparo social, abandonando-os à sua própria sorte. Não houve qualquer referência a nenhum tipo de auxílio ou indenização em razão da condição sub-humana de escravos.
Assim como no Brasil, também nos EUA a população negra sofre o mesmo estigma do encarceramento com 40,2 por cento da população carcerária contra 6,6 de representação negra em relação à população do país. A Diretora de presidio Ava DuVernay dos Estados Unidos retratou os afro-americanos como pessoas que continuam escravizados e para ilustrar menciona os linchamentos, à luta pelos direitos civis, os aprisionamentos por delitos de drogas, às leis “pare e reviste” e ao surto de mortes de civis negros pela polícia.
A nova vertente política que advoga uma escola sem ideologias é um obstáculo para que se eduque as crianças para a necessidade de respeitar as diferenças. Afinal toda essa crise de identidade que faz com que uma sociedade de maioria negra, como é a nossa, e onde habita a maior população negra fora da África, e onde ainda tem lugar para o racismo e outras formas de discriminações, faz-se necessário educar desde a primeira infância para a convivência pacífica e respeitosa entre todos, independentemente da raça, preferência sexual, religião, ou qualquer outra diferença entre os seres humanos em desenvolvimento.
O desembargador Siro Darlan é um magistrado com rara visão social. Uma visão que poucos a têm. De seu punho e de seu talento jamais li ou tive notícia de uma decisão que não fosse amparada na lei e, fundamentalmente, no âmbito penal, na possibilidade da ressocialização da pessoa que contribuiu para o desequilíbrio social. Ele conhece como ninguém a realidade social brasileira. E a suja política dos que conduzem nosso país. Ele está sempre do lado dos sem voz, sem vez e sem tudo. Não poupou esforço para defender uma população de desabrigados que, cinco ou seis anos atrás, estava à frente do prédio da Prefeitura do Rio e depois todos foram retirados de lá à força e rumaram para a porta da Catedral da Avenida Chile. Eles eram ordeiros. Mas isso incomodou a Igreja, logo na semana santa. E o desembargador Darlan não ficou em casa. Foi ficar perto dos desabrigados para protegê-los. Eles eram inofensíveis. A ofensa— santa ofensa— era ficar na porta do Templo, do qual não eram vendilhões, mas filhos de Deus a buscar amparo e ouvir a voz do Pastor e deste esperar por sua mão estendida. Não me lembro se ouvirram, ou se tiveram a mão estendida do Pastor. Do Desembargador tiveram. E como tiveram!
Décadas atrás, quando o dr. Darlan era Juiz da Infância e da Juventude, dois delegados da polícia federal que atuam na alfândega do Aeroporto Tom Jobim bateram lá no meu escritório. Não os conhecia. Foram pedir ajuda. Eles trouxeram fotos e documentos que me entregaram. Diziam respeito a uma encomenda vinda do exterior com cerca de 2000 armas (fuzis e revólveres) de brinquedo, mas réplicas exatas das armas verdadeiras. Eles diziam que desejavam, mas não poderiam impedir a entrega, a liberação da perigosa mercadoria. E me consultaram. Disse aos delegados que deixassem o material(fotos e documentos) comigo. E eles deixaram. Eles se foram e comecei a agir sozinho.
Fiz uma petição, anexei os documentos e as fotos e às 4 da tarde de uma sexta-feira fui até à sede do Juízado. Entrei no gabinete do então juiz Siro Darlan, que leu a petição, examinou os documentos e imediatamente expediu mandado de busca e apreensão de toda aquela mercadoria. E por volta das 18 horas daquele mesmo dia os oficiais de justiça já tinham cumprido o mandado e todas as réplicas do armamento já estavam na sede do Juizado. E lá ficaram. Ninguém as reclamou. E foram destruídas por ordem do Juiz Siro Darlan.
No passado remoto, mas nunca esquecido, tivemos o dr. Eliézer Rosa, titular da 8a. Vara Criminal, chamado de o “Bom Juiz”. Ele era bom por conhecia o Direito (foi um grande processualista) e conhecia a pessoa humana, por dentro e por fora. As condenações que assinava e que eram notícia de primeira página nos jornais, hoje são instituídas na lei, tais como, prestação de serviço à comunidade, cestas básicas. Tudo isso foi o dr. Eliézer Rosa que nos legou. No passado, não tão remoto assim, tivemos o Juiz Alyrio Cavalieri, que marcou seu nome na proteção, defesa e até punição dos menores infratores nesta cidade que outrora foi maravilhosa. Depois veio o juiz Siro Darlan, que graças a Deus se encontra em nós, distribuindo Justiça destemida e Justiça justa e com visão social.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro (70 anos)
Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros
Especialista em Responsabilidade Civil ( UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne)
Prezado Professor Jorge Béja.
Suas palavras me comoveram e encheram de orgulho por haver convivido e conhecido tão nobre pessoa. Obrigado por fortalecer minha resistência. Siro Darlan