Justiça e preconceito.

            Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.

                        O Brasil continua apostando na aplicação de exceção como regra e, por essa razão somos o quarto país do Planeta a mais encarcerar quando existem muitas outras medidas cautelares previstas na lei que punem a criminalidade com mais eficácia e menos ódio. Todo juiz sofre influências do meio em que vive e tem referências ideológicas, religiosas e doutrinárias. Eu não sou diferente e toda semana me alimento com a mensagem cristã nas missas que assisto em minha paróquia de Santa Mônica, no Leblon. Aprendi, com Santo Agostinho, que todos devem ter a oportunidade de experimentar a misericórdia de Deus e reparar seus erros.

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                        Estando no Ano da Misericórdia, certamente me deixo tocar por esse sentimento para apreciar e julgar meus semelhantes. Não me deixo levar pelo sentimento da covardia que leva muitos indivíduos a sentir medo de se posicionar. Também procuro não me deixar dominar pelas influencias das “vozes da rua” como as que levaram Cristo a morrer na cruz para atender as vozes covardes da maioria ocasional. Juízes não podem fazer qualquer tipo de discriminação de pessoas na hora de adequar à lei os fatos que lhes são apresentados. Não podem ser parciais em hipótese alguma, ainda que estejam diante do maior dos criminosos.

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                        Tudo isso estou falando para explicar que estando em serviço judicial de plantão noturno, deparei com um pedido de um advogado que pleiteava a transformação de uma prisão provisória de quase três anos em prisão domiciliar com monitoramento para um ancião de sessenta anos, hipertenso, com três cirurgias e com dois laudos médicos atestando o perigo de morte. Diante desses fatos apreciados em período noturno, somados outros dezenove pedidos igualmente urgentes, como são quase todos que se apresentam no plantão, sem acesso a maiores informações, o juiz deve decidir pela garantia à saúde e à vida ou aos clamores de vingança e morte para os que transgrediram a lei.

                        Ora, num primeiro momento a opção preferencial é pela garantia dos direitos fundamentais; outros procedimentos são secundários. Deferida essa súplica dos defensores, com toda fundamentação que a lei exige, transfere-se o paciente de um tipo de prisão para outra, igualmente prevista em lei, com a diferença que a lei impõe que essas devem preferir à privação de liberdade, que só se justifica quando há o reconhecimento definitivo da culpa e da responsabilidade penal para o cumprimento da sanção definitiva.

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                        Essa tem sido a grande questão defendida pelas autoridades penalistas e pelo Conselho Nacional de Justiça que em pesquisa recente apontou que o Brasil possui 42% de presos provisórios, porque a lei que obriga a aplicação das medidas cautelares preferencialmente não é respeitada. Para minorar esse problema grave obriga os Estados a realizar as Audiências de Custódia, e poucos são os estados que as estão observando como determina o texto legal. Finalmente, pedindo emprestadas as palavras da escritora Marcia Tiburi e do Juiz Rubens Casara, candidato a receber o Prêmio Jabuti de literatura: ”Repare que a covardia pode andar junto com a violência. Não raro, demonstra mais coragem aquele que não recorre à violência do que o indivíduo que a usa para resolver todos os seus problemas. O covarde é seletivo: escolhe seus algozes e suas vítimas”.