O direito à imagem.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.

                        O grande Mestre de Direito Penal português Professor José Francisco de Faria Costa comentava extasiado numa aula de Direito da Comunicação Social a forma como a imprensa brasileira exibe desrespeitosamente as pessoas, a propósito da exposição que fizeram de suspeitos de haverem assassinados turistas portugueses em Fortaleza, os quais, antes mesmo de terem sido indiciados já estavam sendo exibidos e identificados como autores dos crimes, sem que tivessem sido julgados e condenados.

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                        Afirmava, revoltado, o ilustre professor, que isso equivale a punir e expor meros suspeitos a um pelourinho. Em matéria de justiça criminal, não se pode abrir mão das conquistas civilizatórias que sucederam aos períodos inquisitoriais. Sem virtudes, essas concessões não serão mais que a troca de abusos por outros abusos. As penas viciosas ou abusivas se agravam na sua execução quando a virtude não impera na cabeça e no coração dos homens, conservando os ditames da razão e os princípios da humanidade.

                        Tem sido comum a exibição da imagem de meros indiciados na mídia como forma de execração pública, como ocorreram recentemente com a prisão de dois ex-governadores e uma ex-primeira dama. Não se discute o grau de gravidade de seus crimes, ainda em processo de apuração e juízo de valor para condenação ou não. Mas o que é preciso entender e exprimir com clareza, o que é importante é não ceder naquilo que não se deve transigir, afirmar, com convicção, um conjunto de princípios que tem iluminado nossa cultura e civilização penalísticas, propugnar a unidade material do ordenamento penal é uma tarefa de todos.

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                        O direito à imagem está consagrado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos X e XXIII, alínea “a”, e está previsto no Código Civil, e não se encerra em si, tem ligação com direitos conexos, principalmente os direitos fundamentais. Por ser a projeção da personalidade física do indivíduo no mundo exterior, é considerado um Direito Natural, equiparável ao da própria vida. Bittar define como “ o direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos que a individualizam no seio da coletividade”.

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                        Por ser um direito constitucional inviolável e por transcender a pessoa do próprio titular, o autor da violação fica sujeito a pagar indenização material e ou moral. As vítimas dessa violação têm familiares, pais e filhos que não podem sofrer os efeitos de seus atos violadores da lei. A pena não pode ir além da pessoa que comete crimes. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente define o direito ao respeito que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, que abrange dentre outros, a preservação da imagem, da identidade, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Quando se exibe extemporaneamente a imagem de seus pais, identificados como criminosos e vestidos com uniformes de prisioneiros, estão sendo rasgados esses direitos fundamentais da pequena infância. Como desejar que esses jovens aprendam a respeitar as leis? Como justificar esse constrangimento imposto ilegalmente aos filhos de meros suspeitos de práticas criminosas? Ou estamos abrindo mão de nossos avanços civilizatórios, recriando o Pelourinho para aplicar uma pena que não tem previsão em nosso ordenamento jurídico?