O CNJ E A REPÚBLICA

(*) Magid Nauef Láuar

O Supremo Tribunal Federal decidiu por 06 votos contra 05 votos que o CNJ tem competência para investigar os Magistrados (saliento MAGISTRADOS, em razão de que o uso da palavra “JUÍZES” remete aos Magistrados do Primeiro Grau – os únicos Juízes – posto que os demais magistrados são desembargadores e ministros).

A decisão do STF é histórica ! Mas, ao mesmo tempo, acanhada, pois o resultado deveria ter sido de 11 votos pelo indeferimento da ADIN em questão.

O Conselho Nacional de Justiça deveria ter sido criado pelos Constituintes que elaboraram a Constituição de 1988.

O CNJ veio tarde, mas veio…

E veio para estabelecer junto ao Poder Judiciário os Princípios Republicanos Constitucionais que nunca habitaram o Poder Judiciário vigente. A estrutura do Poder Judiciário é a mesma desde a Monarquia Brasileira.

O CNJ é a nossa Revolução Francesa !

Vejamos, pois, a estrutura monárquica do Poder Judiciário.

Há de se começar pelo nepotismo, inexistia (antes do CNJ) Tribunal sem a presença de inúmeros parentes dos seus integrantes. E o pior: tudo era tido como expressão da mais completa legitimidade e legalidade. Tratava-se, pois, da “consciência monárquica”.

O uso do dinheiro público (até hoje) é exercido, com raras exceções, de forma incompetente, posto que, normalmente, os eleitos para Presidente de Tribunal não são detentores de nenhuma capacidade administrativa, não tiveram formação para tanto e denominam a presidência de “coroamento da carreira” (há algo mais monárquico ?).

Como disse, há exceção, porém esta é fruto do mero acaso, da competência pessoal adquirida por meios próprios e não por formação acadêmica ou de experiências de quaisquer naturezas.

As promoções para os Tribunais são fulcrada nas relações de parentesco, amizade ou de identidade político/associativa e JAMAIS com base na competência, formação ou produtividade do Magistrado, são os prêmios do baronato.

A relação dos integrantes dos Tribunais para com os Magistrados do Primeiro Grau é estabelecida na subserviência e no temor referencial, não há sequer respeito profissional.

A promoção de um Magistrado do Primeiro Grau por merecimento para os Tribunais seguem a seguinte perversa ordem: o candidato se inscreve (quando há editais, pois em Minas Gerais, sequer editais eram publicados antes do CNJ), depois de inscrito o candidato passa a enviar cartinhas para os eleitores (integrantes dos Tribunais), depois abandonam as comarcas para comparecerem pessoalmente no gabinete, casa, etc., de cada eleitor, daí pede voto para a esposa do eleitor, para o amigo, filho, cunhado, e vai seguindo esta via por dois anos em média até conseguir ser promovido por “merecimento”.

Este ato é denominado “beija-mão” ou, mais realisticamente: “lamber botinas”. Posto que o mérito pessoal do candidato jamais é observado.

As indicações para integrar os Tribunais Regionais Eleitorais até hoje são feitas através do apadrinhamento, onde não há sequer abertura de editais para as vagas.

Assistimos todos – estarrecidos – a manifestação de um inexpressivo Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça insuflando o STF a retirar os poderes do CNJ. Nada mais justificável, posto que o CNJ está, de uma maneira ou outra, exigindo e impondo (quando é preciso) aos Tribunais o exercício REPUBLICANO e retirando dos mesmos a monarquia que ali habita.

Os Magistrados do Primeiro Grau normalmente não temem ou necessitam do CNJ, posto que são diuturnamente fiscalizados pelo Promotor de Justiça, pelos Advogados, pelos Servidores e pela Sociedade, enquanto os Magistrados dos Tribunais não são (ou não eram) fiscalizados por ninguém, não há Ministério Público, não há Advogados, os Servidores estão longe e a Sociedade sequer os conhece. Daí o temor dos Tribunais.

Inúmeras críticas são dirigidas ao CNJ, principalmente em razão dos possíveis excessos. Não há excessos! O que há é que antes do CNJ não havia NADA, daí quaisquer medidas são consideradas excessivas!

O CNJ é hoje o MAIOR defensor do Magistrado do Primeiro Grau, posto que antes dele os Tribunais, como já dito, podiam TUDO, principalmente quando em benefícios dos seus afilhados e apadrinhados e em prejuízo do “baixo clero”.

Abro um parêntese para parabenizar o Presidente da AMB – Nelson Calandra – pela iniciativa da ADIN, pois trouxe com ela a discussão no seio da Sociedade Brasileira sobre o Poder Judiciário, o maior mérito.

Continuando… Ter sobrenome de integrante de Tribunal é garantia de carreira rápida e os preteridos sequer tem o direito a quaisquer questionamentos.

Hoje tal situação ainda persiste, porém temos o CNJ para questionar e os Tribunais pensam duas vezes antes de cometer as mais absurdas arbitrariedades e ilegalidades, que ainda são cometidas, porém mais discretamente.

O nepotismo nos Tribunais quase acabou, posto que ainda existe um outro tipo de nepotismo, que embora não seja considerado como tal legalmente, mas republicana e moralmente o é. Trata-se da nomeação do quinto constitucional. É raro o Tribunal que não tem como integrante do quinto constitucional (seja do Ministério Público, seja dos Advogados) um parente de integrante de Tribunal, principalmente de Presidentes de Tribunais, hipótese rara.

Retirar os poderes do CNJ seria o ato mais vil que se poderia praticar, significaria a manutenção do regime monárquico no Poder Judiciário, seria uma agressão à REPÚBLICA.

Para se ter uma idéia da estrutura de eleição para os cargos de direção dos Tribunais é preciso não entende-la como piada de mau gosto.

Em primeiro lugar já estão inscritos os mais antigos, sem que haja formalmente a sua inscrição, ou seja, se algum já inscrito não pretender candidatar terá que manifestar formalmente. E nenhum outro integrante do Tribunal poderá se candidatar!

Pois bem ! Não há debates, não há propostas, não há absolutamente nada, o eleito sequer diz a que veio e, normalmente, desconhece a estrutura do Poder Judiciário e não sabe administrar as suas finanças, há, ainda, de se salientar que os Magistrados do Primeiro Grau são proibidos de votar!

Ou seja: o Juiz do Primeiro Grau preside eleição para Prefeito, Vereador, Deputados Estadual e Federal, Senador, Governador de Estado e Presidente da República, MAS É PROIBIDO VOTAR PARA PRESIDENTE DO SEU TRIBUNAL.

Antes que eu esqueça: EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE DO TJ !

Há outro ponto bem monárquico absolutista: antes do CNJ nenhum Magistrado podia criticar os Tribunais. Aqui em Minas um Digno Colega teve a coragem em fazê-lo e foi “exemplarmente” punido, tendo sido rejeitado em 20 promoções por antiguidade.

Recentemente ocorreu uma discussão sobre a possibilidade de quebra do sigilo bancários dos Magistrados e que a Corregedoria do CNJ teria efetivado tal ato.

Vejam só a questiúncula jurídica: o titular da Corregedoria do CNJ é, obrigatoriamente, um Magistrado do Superior Tribunal de Justiça. Se tal Magistrado estiver no exercício da Judicatura no STJ ele poderá quebrar o sigilo bancário de qualquer Magistrado, porém se estiver no exercício da Corregedoria do CNJ não poderá.

O argumento é que no STJ está em função judicante e no CNJ está em função administrativa.

Ora, o Magistrado que exerce o cargo de Corregedor do CNJ por acaso ao exercê-lo perdeu o equilíbrio, a sensatez, a imparcialidade, deixou de ser Magistrado ?

Claro que não ! É apenas mais um argumento para que as monarquias nos Tribunais continuem a existir.

Há de se defender, inclusive, que TODOS os Servidores Públicos, de TODOS os Poderes deveriam ter a Declaração de Imposto de Renda disponível publicamente. E não há novidade nisso, os candidatos aos cargos eletivos para os Poderes Executivo e Legislativo já o fazem quando da inscrição, daí é só acrescer a anualidade da obrigação e a extensão da mesma para TODOS os Servidores Públicos, inclusive os Magistrados.

As Corregedorias dos Tribunais Estaduais somente existem para o “baixo clero”, quando existem!

Por fim, o Conselho Nacional de Justiça é o Órgão do Poder Judiciário que tem o Compromisso Constitucional de estabelecer os Princípios Republicanos nos Tribunais e é a única porta que os Magistrados do Primeiro Grau podem bater e pleitear os seus direitos, impunemente.

(*) Magistrado em Minas Gerais – Mestre em Direito Constitucional – Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (MG)

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