Mentiras e verdades.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.

 

Juízes são garantidores dos direitos dos cidadãos. A função de reprimir os delitos e de acusar seus autores não é do Judiciário. Mas há juízes que embora assoberbados de trabalhos próprios da magistratura acumulam funções policialescas de repressão, maculando de forma suspeita sua função judicante. Àqueles que transgridem as leis penais são destinadas penas de privação de liberdade e outras alternativas, mas a realidade é que sob a sagrada proteção da lei, seres humanos são condenados à perda da dignidade e à morte por caminhos burocráticos e administrativos que não constam das sentenças, mas pelo arbítrio dos agentes responsáveis pelo cumprimento da pena. A privação da liberdade passa a ser apenas uma licença que o judiciário concede para as outras penalidades sejam aplicadas arbitrariamente com sua omissa condescendência.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido que o Estado deve indenizar presos submetidos às condições degradantes, essa decisão ainda não contaminou os Tribunais dos Estados e nada mudou na prática medieval de nossos cárceres. Há quem afirme que não há encarceramento excessivo. Mentem os carrascos sedentos de vingança, sobretudo quando contrapõem a isso a inoperância do aparato policial incapaz de apurar e apontar as mortes violentas, cerca de 60 mil homicídios e latrocínios por ano, dos quais apenas 8% são apurados. Faltou confessar que a maior parte desses crimes violentos são praticados pela própria polícia violenta que patrocina os chamados “autos de resistência” para justificar o mais alto índice de letalidade atribuída a policiais do Planeta.

A mentirosa afirmação de que é mera suposição a prisão preferencial de pretos e pobres no Brasil beira as raias da irresponsabilidade funcional quando o Mapa do Encarceramento do Brasil do Infopen aponta que 61,6% da população prisional é negra. No país prende-se em demasia, 34% são provisórios segundo o CNJ, e cuida-se mal dos presos, realimentando a violência que volta para a sociedade, que precisa estar consciente de sua responsabilidade e participar desse debate de melhoria das condições carcerárias, bem como na busca de alternativas para o desencarceramento dos presos e da inutilidade do atual sistema.

É preciso criar alternativas às prisões incentivando a reparação dos danos causados por criminosos em favor das vítimas e da sociedade, responsabilizando o estado policial punitivo por seus excessos e possibilitando a humanização do sistema reparador. Países que primam pelo respeito aos direitos humanos estão fechando e não abrindo novos estabelecimentos prisionais e aplicando modernas práticas restaurativas e reparadoras que efetivamente recuperam e responsabilizam os agentes de crimes beneficiando as vítimas e seus familiares a um custo muito mais justo com assunção de responsabilidades e reparação pelos crimes cometidos pelos próprios agentes.