A Mediação.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e membro da Associação Juízes para a democracia.

 

Dies irae dies illa, dia de ira, aquele dia são próprios dos tempos em que estamos vivendo numa sociedade dividida pelo ódio de classes, de gênero, de raças, de ideologias. Uma sociedade com essa marca não pode ir longe sem um desastre iminente. O instrumento de pacificação social, o Judiciário esgotou-se e não presta um serviço adequado de pacificação tendo sido maculado pela parcialidade de seus membros que ficaram contaminados pelos sentimentos do autoritarismo, da autocracia, rentista, autárquico e dinástico. A sociedade clama por alternativas até porque o paquiderme que se transformou o judiciário brasileiro jamais dará conta de seus 120 milhões de processos emprateleirados há anos, tirando do jurisdicionado toda esperança de alcançar a justiça.

Desesperados procuram soluções alternativas, mas sem perder a força do poder que detêm. Desejam passar pela chuva, mas sem se molhar. As tentativas de soluções alternativas de resolução de conflitos permanecem egoisticamente nas mãos dos “Senhores da Justiça”, o que ao invés de trazer soluções aumentam as tarefas insolúveis. Assim a Lei 13.140, de 2015, trouxe para o Brasil, com muito atraso o que resolveu chamar de Mediação. Por outro lado, a Lei 13.105/15 resolveu chamar de mediação como método complementar ao Judiciário para construção da cultura da paz. Apelidam de mediação aquilo que mediação não é. Procuram formar mediadores entre os juízes aposentados, entre os servidores do judiciário, da advocacia e até entre policiais, o que é outro equívoco originário.

A Professora francesa Michele Guilaume chama a isso síndrome de M. Jourdain, quando se pensa em fazer mediação, sem saber fazê-la e de “síndrome do mediador natural”, aquele que se ente mediador de forma inata. Ora é sabido que os operadores do direito, assim como os de outras ciências possuem linguagem própria, métodos diferentes de atuação e comunicação. É simples notar tais diferenças quando se lê uma sentença ou acórdão, ou quando se assiste uma Seção de Julgamento do STF. A linguagem jurídica é sempre rebuscada e quase ininteligível para os leigos.

Já a mediação tem como principal ferramenta a comunicação, o uso de uma linguagem comum aos mediandos e cabe ao mediador a facilitação dessa comunicação, colocando-se à disposição das partes conflitantes e não como um solucionador do conflito. O conflito não lhe pertence e sim aos partícipes que irão encontrar os caminhos da pacificação sem a interferência autoritária do mediador. Desse modo não pode a Mediação estar ligada a nenhum procedimento judicial ou para-judicial, mas apenas antecedente às causas judicializadas. Ao juiz não compete qualquer interferência e os mediadores devem ter formação própria não judicializada e sim ligada às outras ciências da comunicação, da psicologia, das ciências sociais, dentre outras.

A busca do vínculo social ou afetivo rompido pelo conflito deve ser encontrado de forma binária e imediata. A mediação por um terceiro elemento deve ter por principal ferramenta a linguagem intuitiva, mas sobretudo o olhar silencioso e respeitoso de uma verdadeira mediação voluntária e desejada pelas partes, nunca imposta ou condicionada por qualquer lei ou procedimento autoritário. Desse modo cabe a nós magistrados exercitarmos a humildade de confessar nossa incapacidade de pacificar sozinhos a sociedade e aceitar o reforço luxuoso dos mediadores, sem qualquer vínculo institucional.