Quem sou seu?

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a democracia

 

 

Acabo de completar 69 anos e não sei se saberei responder a essa pergunta. A primeira reação é dizer o nome, profissão, filiação, etc… Mas o evangelho dessa semana ensina que até o próprio Cristo querendo saber quem era, foi a um povoado distante dos maiores aglomerados de pessoas e perguntou: “Quem dizem os homens que eu sou? ”  Seus discípulos titubeando responderam: uns dizem que és João Batista, outros que és Elias, outros ainda, que que és um profeta. Então Jesus fez a mesma pergunta para seus discípulos e eles responderam “Tu és o Mestre”. Diz a escritura que Jesus proibiu Pedro de falar a esse respeito.

Interessante essa questão filosófica da identidade que nos leva a questionar quem somos. Recentemente uma juíza leiga, encantada pelo poder que exerce, perguntou a uma advogada negra acompanhada de sua cliente negra quem ela era, obrigando-a a identificar-se. Qual a razão desse ato de poder, ou de excesso de poder, se basta a indicação da cliente presente, ou, ainda a lei faculta a juntada posterior de uma formal procuração? Só pode ser o não reconhecimento da ausência de identidade profissional da advogada por razões que não estão no texto legal.

Quantas vezes autoridades que não se reconhecem autoridade pela própria função que exercem e atuam com excessos, dando “carteiradas”, aumentando o volume da voz, mandando prender para se reconhecer como investido de autoridade? O Brasil inventou uma forma de combater o crime, cometendo crimes, descumprindo leis e Constituição sob pretexto de corrigir excessos, transformou um estado democrático de direito num estado de exceção.

Afinal qual a resposta correta? Somos a obra prima de nossa vida. Podemos ser identificados pelo amor como tratamos o próximo, como a pessoas que planta a paz através da compreensão, podemos ser respeitosos com os mais diferentes e plantar a felicidade ao nosso redor, criadores de nosso próprio universo. Ou podemos ser o contrário e viver sem nunca identificar nossa verdadeira identidade.

Contudo, nunca nossa resposta será totalmente satisfativa porque a vida consiste nessa permanente descoberta de nossa história de vida. Quem somos? De onde vimos, por que nascemos e para onde vamos? Sempre pertenci a um grupo familiar humilde, mas muito unido e respeitador de nossas diferenças. Tenho quatro irmãos, um falecido, logo o mais novo, uma indagação cuja resposta nunca teremos. Somos diferentes na nossa irmandade. Tenho três filhos e uma filha, todos parecidos fisicamente, mas de escolhas de vida diferentes e todos com sucesso e orgulho para o pai. Deram-me cinco netas e um neto, todos diferentes, mas lindos, inteligentes e únicos.

 

Pensei. Missão cumprida. Após dois casamentos, o primeiro que me deu os filhos amados e o segundo o companheirismo, amor e cumplicidade que me trazem paz e felicidade. Uma profissão bem-sucedida, cuja missão é servir o próximo através do poder eu me foi outorgado pelo povo brasileiro, nos termos da Constituição. Nada mais a fazer senão deixar o tempo passar. Nada disso. A vida me surpreende e muda toda minha história, toda minha identidade, e volto a perguntar: Quem sou eu?