Siro Darlan

 

Hoje é dia de Todos os Santos e ouvir na missa a força da palavra me reconfortou e fortaleceu justo num dos momentos mais dolorosos de minha vida profissional. Sou magistrado há quase 37 anos e já enfrentei crises de toda natureza, mas era mais jovem e mais forte. Hoje, beirando os setenta, hipertenso e diabético, as forças malignas estão causando um estrago quase insuportável. Não sucumbi ainda porque sou de luta desde que nasci no árido sertão da Paraíba, onde sempre me alimentei da coragem para não cair sem levantar.

Ouvi o Monsenhor Sérgio Couto dividir as Bem-Aventuranças em três blocos diferentes: as três primeiras dizem respeito à individualidade de cada ser humano. Os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; os que choram, porque serão consolados; e os mansos, porque herdarão a terra. Em seguida vêm aquelas que dizem respeito ao que realizamos ou fazemos. E nessas achei um belo encaixe para meu atual momento: os que têm fome e sede de Justiça, porque serão fartos; os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia; os puros de coração, porque verão a Deus; os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus; os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, falarem mal contra vós por minha causa.

Nessa caminhada conquistada a duras penas através de concurso público dos mais exigentes, promoções sempre tardias e por antiguidade, para não dever nenhum favor a ninguém, dificuldades que hoje já não são tão frequentes na magistratura e carregando no currículo 52 representações administrativas, todas motivadas por minha fiel aplicação das leis e compromisso com a Constituição, agora enfrento dois PADs no Conselho Nacional de Justiça por haver aplicado a lei em conformidade com remansosa jurisprudência que afirma que a prisão deve ser exceção e que a regra é a liberdade.

No país que aumentou em dez anos mais de 50% dos habitantes das masmorras penitenciárias, e conta com 43% de presos provisórios, cumprir as regras de prevalência da dignidade da pessoa humana é quase um crime que se comete. Eis a razão de estar sendo criminalizado nesse instante. Numa primeira decisão, diante de dois laudos médicos atestando a precariedade da saúde do paciente, num sistema onde morre mais de dois presos por dia, e milhares estão com doenças graves, foi transformada a reclusão em prisão domiciliar para tratamento de saúde. Revogada a decisão proferida em plantão judicial, o paciente foi novamente preso no hospital onde se encontrava em tratamento.

Mas isso era muito banal e natural, logo foi preciso uma pesquisa, impossível de se fazer em plantão judiciário, conforme atestou o próprio Presidente do Tribunal de Justiça Desembargador Milton Fernandes de Sousa, e o Desembargador Nagib Slaib Filho, que há anos pele o aperfeiçoamento do Plantão Judicial com a necessária informatização para que o plantonista seja informado dos impedimentos, suspeições, distribuições prévias, para que acusar o subscritor de haver proferido decisão em favor de paciente que tivera no passado como defensor o filho do desembargador plantonista. Surpreso com a novidade, já que o advogado que despachou o Habeas Corpus no plantão nenhuma relação tinha com o advogado que substituíra, virei réu num PAD, onde claramente está demonstrado a impossibilidade de ter ciência que seu filho havia atuado, no passado, para aquele paciente.

Mas o script não estava completo, e precisava de uma pitada de pimenta. Em outra decisão, não atacada por qualquer recurso, agentes da lei providenciaram uma chamada “Colaboração Premiada” absolutamente em desconformidade com o artigo 4º da Lei 12.850/2013 que estabelece em que casos e quais os requisitos para a colaboração premiada, onde o réu em ação penal tem escuta para achincalhar um magistrado com 36 anos de serviços prestados ao judiciário nos seguintes termos:

“Que o depoente tem conhecimento de que o Habeas Corpus que colocou em liberdade o acusado Ricardo ABBUD, logo após a deflagração da operação, foi negociado com pessoa interposta em nome do Desembargador SIRO DARLAN, tendo sido cobrado inicialmente o valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), que após negociação foi “fechado” em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a serem pagos em 02 (duas) parcelas de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); que o pagamento foi feito pelo pai de RICARDO ABBUD, de nome BOSCO; que soube da mencionada negociação na unidade que estava preso, pelo próprio RICARDO ABBUD; que RICARDO ABBUD foi preso novamente, após ter sido liberado através do HC acima mencionado, e que ainda assim houve a cobrança da segunda parcela de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) referida, já que a nova prisão não tinha relação com a primeira.”

Ademais, além da ilegalidade do procedimento afirma que a abordagem foi feita por “PESSOA INTERPOSTA”, que sequer sabe o nome, ou pelo menos as suas características (gordo, magro, branco, negro, homem, mulher?) Tais ilações criminosas foram desmentidas pelos pseudo corruptores, beneficiados pela decisão que desmentiram em juízo a aleivosia.

 

Esses são os fatos que me fazem perder o sono e a tranquilidade para continuar trabalhando no oficio de fazer e distribuir justiça. “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, falarem todo mal contra vós por minha causa”.

Um amigo muito querido Rodrigo Ahmed, sabendo desse desterro em que me encontro temporariamente, enviou-me essa oportuna mensagem, que agora compartilho: “Só se confia o comando de um exército a um hábil general, capaz de o dirigir. Julgais que Deus seja menos prudente que os homens? Ficai certo de que só confia missões importantes aos que Ele sabe capazes de as cumprir, já que as grandes missões são fardos pesados que esmagariam o homem demasiado fraco para carrega-los. Como em todas as coisas, o Mestre tem de saber mais do que o discípulo: para fazer que a Humanidade avance moralmente e intelectualmente, são precisos homens superiores em inteligência e em moralidade. Por isso, para essas missões, são sempre escolhidos Espíritos já adiantados, que fizeram suas provas em outras existências, visto que, se não fossem superiores ao meio em têm de atuar, a sua ação seria nula”.

O Evangelho segundo o Espiritismo / 1864

Allan Kardec