Darlan de Holanda

 

Frequento a Igreja Santa Monica há exatos 63 anos. Era uma Capelinha muito simpática com um belo jardim e muitas quadras de esportes vizinho a um Colégio dos mais tradicionais e procurados, Colégio Santo Agostinho. Nesse pátio de etilo espanhol havia uma enorme tartaruga que os freis diziam que tinha 200 anos. Na Igreja e no colégio trabalhavam entre brasileiros e espanhóis cerca de 25 frades agostinianos recoletos. Frei Valentin Rejon era o diretor do Colégio e Frei Valeriano Fernandes o Vigário da Igreja, mas quem pontificava em tudo era um irmão de do mais alto de sua humildade a todos servia com simpatia e muita competência, Frei Aurélio Azcona. Sabia tudo, era um pouco de tudo, arquiteto, engenheiro, administrador, provedor e estava atento a todos os movimentos. Era o mais humilde, mas com certeza o mais proeminente e importante dessa comunidade.

Velhos tempos, belos dias diria o poeta. Foi nesse cenário de muito romantismo que me apresentei para ser coroinha e fui “adotado” pelos frades. E foi pelas mãos de Frei Aurélio que fui levado à presença do Frei Valeriano com a proposta de uma bolsa de estudos no Colégio Santo Agostinho. Um sonho muito acima de minhas possibilidades econômicas, e mais uma vez recebi a acolhida do Diretor do Colégio Frei Valentin Rejon. Nunca mais abandonei essa comunidade, que frequento até hoje, mesmo não tendo aquela mesma presença de tantos frades aos quais ensinei a falar português quando aqui chegavam da Espanha e muito me deram em troca, não apenas em ensinamentos religiosos, mas em carinho, atenção e educação de qualidade. Muita gratidão.

Mesmo quando morei em Jacarepaguá, saia de lá aos domingos para assistir missa na Igreja de minha infância, depois, morando ao lado da Igrejinha de São Conrado, mantive a fidelidade à Casa de Santa Mônica; agora, morando na Gávea, ao lado de outra Igreja, mantenho a fidelidade. Hoje, no entanto fiquei muito triste.

Muitas têm sido as perdas durante todos esses anos. Vi padres amigos de confissão e orientação, como Frei Antônio Garciandia, indo embora, cidadãos exemplares que criaram os filhos naquele ambiente e que sempre procurei me inspirar, como o Dr. Rui Carneiro, deixando nosso convívio, mas hoje a perda foi de um mendigo que conhecia desde sua pré-adolescência, vivendo nas ruas. O Mauricio que morreu com 43 anos. Via Mauricio todos os domingos, algumas vezes drogado, outras com uma lucidez invejável. Detinha um conhecimento da vida que poucos tinham. Durante uns dois anos deixei de encontrá-lo e alguns anunciaram sua morte. Contudo, passados dois anos, reaparece Mauricio que havia sido preso porque tentara furtar comida de um mercado.

Tratei de documenta-lo e obtive uma segunda via de sua certidão de nascimento. Ele tinha uma mãe que visitava periodicamente na zona oeste. Certa vez tentei escrever um livro com ele e comecei a gravar seus depoimentos. Justamente nesse período ele desapareceu porque havia sido preso e nosso projeto não teve continuidade. Hoje, o próprio padre anunciou na missa que Mauricio havia morrido ontem na porta da igreja e pediu oração por ele. Foi bom conhecer, conviver e aprender com Mauricio a importância que a vida de todos ser humano tem. Mauricio é um personagem da Sagrada Escritura, viveu no Leblon do século XXI a história de Jó. Descansa em paz Mauricio.