Mãe é foda.

Darlan de Holanda, juiz e membro da Associação Juízes para a democracia.

 

Depois de uma sessão de julgamentos sofrida uma vez que julgar humanos, como somos todos, é uma tarefa acima de nossas possibilidades. Embora haja o compromisso com a tecnicidade, a interpretação das leis e sua aplicação aos casos concretos exige muito bom senso e compromisso com a justiça. O juramento de posse exige fidelidade às normas constitucionais e legais. Contudo sua aplicação nos casos concretos sempre surpreende.

Assisti, sem participar da turma julgadora, a confirmação de uma condenação de um adolescente faminto que havia furtado três caixas de bananas, avaliadas em 200 reais. Ato infracional famélico praticado sem qualquer violência e com a recuperação do objeto do furto, exceto três bananas que o jovem já havia comido. Muito doloroso esse julgamento, sobretudo quando se sabe que em vários outros casos se aplica o princípio da bagatela para absolver diante da atipicidade do furto. Esse tema é motivo de vasta literatura desde que Victor Hugo contou a história de Os Miseráveis, onde o personagem Jean Valjean foi condenado a cinco anos por haver furtado um pão.

No mesmo dia fui açoitado ao assistir à negação do direito, previsto para as crianças no Estatuto da Primeira Infância, da mãe cumprir a pena em prisão domiciliar, quando existir filhos necessitando de sua presença afetiva física para um desenvolvimento saudável. A lei não faz qualquer exigência, mas os julgadores entenderam que a mãe não havia comprovado essa necessidade. Como assim? Isso não está escrito na natureza? Nenhum filhote se desenvolve sem a presença de sua mãe?

Assistindo o maravilhoso filme “Relatos do front” que documenta a violência da malsinada “Guerra às drogas” no Rio de Janeiro, onde são ceifadas vidas humanas de todos os lados e todos sofrem com a destruição dessa Cidade Maravilhosa transformada em um campo de guerra, ouvi o depoimento de um ex traficante que narrou seu primeiro encontro com a mãe, após aderir à guerra. Contou que estava armado de fuzil guarnecendo a boca de fumo quando viu sua mãe se aproximar. Valente com a arma na mão, estava acostumado a enfrentar a polícia e os rivais, mas ao ver sua mãe se aproximar, tremeu e teve medo. Sua mãe chegou e serenamente se dirigiu ao filho e disse: “Eu te amo”. Nesse instante todos os que ali estavam fortemente armados choraram, inclusive ele, que acrescentou: “Mãe é foda”!

D.W. Winnicot realça a necssidade do reconhecimento da importância do do papel materno e reforça que não é gratidão nem louvor. Quando as pessoas não reconhecem essa imporância o fazem por uma sensação de medo. Quando uma pessoa não reconhece essa dependência do bebê na fase inicial do desenvolvimento, que causa um obstáculo ao conforto e à saúde completa, ocorre um obstáculo que resulta de um medo. Não havendo um verdadeiro reconhecimento do papel da mãe, então permanecerá em nós um vago medo de dependência. Esse medo adquire por vezes a forma de um medo à mulher, em geral, ou a uma determinada mulher; e, noutras ocasiões, assumirá formas menos facilmente reconhecíveis, mas incluindo sempre o medo de ser dominado.

Contudo  o medo de ser dominado não faz com que grupos de pessoas evitem ser dominados; pelo contrário, são atraídos para uma dominação específica ou escolhida. É comprovado que se estudarmos a psicologia do ditador, é de esperar que se encontre, entre outras coisas, que em sua luta pessoal está tentando esforçadamente controlar a mulher cujo domínio ele inconscientemente ainda teme, procurando controlá-la servindo-a, atuando para ela e, por seu turno, exigindo total sujeição e “amor”, afirma Winnicott.

E, conclui afirmando para que os bebês se convertam, finalmente, em adultos saudáveis, em indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, dependem totalmente de que lhes seja dado um bom princípio, o qual está assegurado, na natureza, pela existência de um vínculo entre a mãe e o seu bebê: amor é o nome desse vínculo.