Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e membro da Associação Juízes para a democracia.

 

No início do século XXI no Rio de Janeiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente contava com dez anos de vigência e o embate entre a falta de políticas públicas que levava centenas de famílias e suas crianças para as ruas mostrava que só com muita arte essa gente conseguia sobreviver nas grandes cidades. Crianças e adolescentes buscavam sobreviver das mais variadas maneiras. Muitas delas postavam-se nos sinais de trânsito para em questão de minutos fazer malabarismos e outras modalidades de exibições circenses.

A Chacina da Candelária, onde foram sacrificados 8 jovens abandonados completava 7 anos e outras muitas mortes aconteciam com uma naturalidade desumana. O Juiz da Infância e da Juventude buscou socorro nas artes tentando o aproveitamento desses artistas de rua na Escola Nacional do Circo na Praça da Bandeira. A burocracia fechava as portas para eles. Era preciso que já estivessem cursando o ensino médio, que apresentasse um caderno de documentos impossíveis para quem sequer tinha registro de nascimento.

Em 2001, a Escola de Samba Porto das Pedras levou para o Sambódromo o enredo “Um sonho impossível: Crescer e viver! Agora é lei”, onde abordava os direitos das crianças e dos adolescentes homenageando o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e foi um momento mágico do Carnaval. Nessa época conheci Junior Perim que dirigia uma Escola de Circo em São Gonçalo para crianças e adolescentes daquela comunidade.

Aproveitei o ensejo e desafiei o Junior e seu parceiro Vinicius Dumas para que trouxessem o circo para o Rio de Janeiro visando promover uma jornada nos sinais de trânsito convidando os jovens artistas para exibirem na lona as artes que perigosamente exibiam nas ruas. O desafio foi aceito, mas como viabilizar se tudo custa caro? Fácil. Passa o chapéu e vende a ideia. Logo houve a parceria da Capemisa que doou a lona, depois o restante do material foi doado pela Came be Foudations e os Correios financiaram o primeiro ano de funcionamento do projeto.

Mas, onde levantar a lona? Havia na parte dos fundos do Juizado um grande estacionamento e solicitei a então Governadora Rosinha Garotinho a cessão de uma área. Ela foi muito solícita e ofereceu um terreno do outro lado da Avenida Presidente Vargas que estava vazio. Nesse período, infelizmente morreu Leonel Brizola e a governadora mudou de ideia e direcionou o local ofertado para levantar um Memorial a Leonel Brizola.

Havíamos ficado sem chão. Era um Circo sem terreno. Ao olhar pela janela vi aquele estacionamento enorme e vazio. Ordenei à produção do Circo: Levanta a lona lá. E a ordem foi cumprida. Logo o Coordenador da área chegou para reivindicar a área invadida. Liguei para a Governadora que rindo muito resolveu o impasse e o Circo foi inaugurado no dia das Crianças 12 de outubro de 2004. Foi o meu último ato de rebeldia como juiz da infância e da juventude.

O Circo resistiu e faz história e hoje é imprescindível naquele lugar onde eram praticados todo tipo de crimes e violência. Agora é uma escola de arte e de sobrevivência. Esse resultado está muito bem retratado no documentário de Katia Lund “No risco do Circo, no risco da Vida”, que mostra como Junior Perim e Vinicius Daumas transformaram o lixo em luxo, o desamor em amor, a tristeza em alegria e a morte em vida. O Circo Cresceu e Vive hoje para transformar o abandono em alegria e possibilidade de sonhar e construir cidadania. Vida longa para o Circo Crescer e Viver.