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Darlan de Holanda, escritor

 

Aproxima-se mais uma eleição no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O judiciário está cada vez mais distante do povo, os juízes evitam o já difícil acesso à Justiça com exigências que não estão nas leis, mas ao se transformarem em agentes de recolhimento de taxas para o Fundo do Judiciário exigem que o jurisdicionado comprove que é mais miserável do que na realidade é. A lei exige apenas declaração de insuficiência econômica, mas outros requisitos foram criados com o nítido objetivo de ampliar os recursos para o Fundo do Judiciário. Nos Juizados Especiais a ordem é impedir a multiplicação das demandas para reduzir o volume de trabalho. Transformar a dor moral em mero aborrecimento virou uma política a ser cumprida rigorosamente.

Na área criminal, regras regimentais reduzem a eficácia dos direitos fundamentais, reduzindo a defesa dos direitos humanos e impedindo que a Constituição e as leis processuais sejam cumpridas, transformando juízes de garantidores de direitos em agentes de segurança pública. Juízes viraram defensores de uma política de segurança pública que mata quem aparecer na frente da tropa e morrem policiais mal treinados cumprindo ordens ilegais. Até treinamento para atirar muitos juízes fazem em nome de uma chamada defesa pessoal e garantia da ordem pública. A arma do juiz sempre foi, no passado o texto legal e a caneta ou o teclado do computador.

Os candidatos aos cargos de direção não trazem qualquer novidade. São ambos do quinto constitucional, o que aliás os credencia para serem ótimos administradores. Estão habituados com as estratégias necessárias para ingressar na carreira sem concurso público, que é substituído pelo poder político. São ambos oriundos de famílias tradicionais do judiciário e preenchem o perfil sociodemográfico registrado pelo Conselho Nacional da Magistratura: brancos, do sexo masculino, oriundos dos extratos sociais privilegiados e da dinastia que comanda o Poder Judiciário no Brasil.

Um deles propõe uma magistratura do novo milênio, ou o exercício da autoridade com alteridade. Já o outro promete mais cargos para seus eleitores à semelhança do mesmo populismo que marca a classe política. Resta saber se darão continuidade a outras vocações identificados pela pesquisa em suas administrações, quais sejam: a autoritária com violação de direitos em nome do corporativismo; autocrática que se dedica ao patrulhamento ideológico dos juízes e juízas; a autárquica ao se isentar de controle e prestação de contas; a rentista por dispensar explicações das decisões administrativas proferidas e a dinástica que inclui a família e apadrinhados nas benesses distribuídas.

É preciso lembrar que na Revolução Francesa um dos primeiros focos de descontentamento do povo foi a atuação servil do judiciário que assim agia para manter e ampliar seus privilégios. Poucos sentem na pele as consequências da manifestação de nobreza em plena Republica desse poder “republicano”. Aqueles que não foram chamados para o baile e que, sendo de origem humilde, ingressam nessa magistratura sofrem os percalços desse verdadeiro bulling institucional e, seja através das promoções, nunca por merecimento, seja pelas constantes perseguições ideológicas são convidados diariamente a se retirar da festa como se a Republica pertencesse a essa dinastia.

Construir uma carreira na magistratura exige uma subserviência que passa pela procissão humilhante de beija mão e lava pés dos corredores a pedir favores aos desembargadores votantes, como é a regra. Afirmam é o jogo que deve ser jogado. E os que assim não fazem são relegados ao limbo da carreira ou permanecem isolados pelo sistema imposto pela dinastia. Além disso, os que ousam dissentir e dar cumprimento à Constituição (hoje um ato quase heroico) sofrem representações e processos administrativos como forma coercitiva de enquadrar esses “rebeldes”.

 

Essa aristocracia é ainda mais poderosa quando ocorre a escolha dos candidatos que ingressam no Tribunal pelo quinto constitucional, muitos deles escolhidos pelos governos que levaram o Rio de Janeiro à falência econômica e moral nos últimos tempos, mas cuja influência política, sobretudo da ex primeira dama e de muitos políticos que hoje habitam as celas do sistema penitenciário foi fundamental na composição do atual Tribunal de Justiça. Se um ex Presidente da República, retirante nordestino e pouco letrado que foi eleito 4 vezes pelo voto popular encontra-se hoje enjaulado por essa ousadia, imagina o que passa um simples juiz “sem parentes importantes e vindo do interior” que furou essa rede de preconceito e se recusa a ajoelhar para o sistema o que não deve sofrer