Regina Andreiuolo, Comissária de Justiça aposentada.

  1. Praça Onze, Juizado da Infância e da Juventude, 2002. A agenda do Juiz Siro Darlan inclui uma “socialite”, o Secretário de Justiça do Estado, um mendigo, um menino de rua sem um braço, um famoso jurista, um grupo de jovens percussionistas de uma favela do Rio, um pastor evangélico, um ator e vários anônimos. Ninguém deixa de ser ouvido e todos recebem o mesmo respeito e atenção. No final do dia, a mesa está cheia de propostas, pedidos, convites. Tomando nos ombros a defesa das crianças e dos adolescentes, ele se tornou uma espécie de “Senhor. Estatuto”, identificado e confundido com a lei que tinha por missão aplicar. Daí a afluência de gente de todas as origens e de todas as camadas sociais, como se não houvesse iniciativa, projeto, ideia relacionada à infância e juventude que não devesse passar antes por seu gabinete. Ninguém sabe como ele conseguia dar conta de tantas solicitações, comparecer a tantos eventos, iniciar tantos projetos e ao mesmo tempo ser um dos campeões de produtividade entre os juízes. Parte da resposta pode estar em sua incansável energia, sua informalidade (tem horror à burocracia e aos salamaleques), sua disciplina, que o fazia chegar ao gabinete antes das sete da manhã e não sair antes de cumprir o último item de sua apertadíssima agenda, mas talvez esteja mesmo na sua paixão pela causa que abraçou. Impaciente diante das minguadas iniciativas na área, partiu para a ação e criou inúmeros projetos, como a Escola de Pais, que reinseriu inúmeras famílias na sociabilidade e na empregabilidade, o Banco de Empregos, que abriu oportunidades de estágio e de trabalho para adolescentes de baixa renda, o Justiça nas Comunidades, reconhecido pela ONU como projeto de excelência para levar justiça a comunidades pobres. Ao lado dessas ações pragmáticas, ele empreendeu uma missão impalpável, mas de visíveis resultados: com sua pregação pró-Estatuto, plantou definitivamente em nosso imaginário a noção da injustiça de que são vítimas tantas crianças e adolescentes brasileiros, colocando na pauta pública a urgência de reparar esta vergonha. Já desembargador, ele foi agraciado com o prêmio “Dom Quixote” e, quase simultaneamente, recebeu a Menção Honrosa de Direitos Humanos de 2005 da USP, alusões à sua capacidade de sonhar o impossível e de realizar o possível.
  2. “É preciso ajudar mais esses pais”. A frase do Dr. Siro Darlan, então Juiz-Titular da 2ª da Vara da Infância e Juventude traduzia o sentimento de toda a equipe que lidava com os adolescentes infratores. O contato com os adolescentes infratores despertou em sua aguda sensibilidade a necessidade de um programa de apoio às suas famílias, uma vez que eram gritantes as conexões ente as carências materiais e sociais e o ingresso em condutas infracionais. O Serviço Social da 2ª Vara e o Núcleo de Psicologia puseram mãos à obra e, desde 1993, aconteceram os “Encontros de Pais”, obedecendo ao espírito do ECA, que prevê, em seu artigo 129, encaminhamento dos pais a cursos ou programas de orientação. Inicialmente teve o formato de palestras com especialistas sobre educação, saúde, direitos e deveres de pais e filhos e outros temas relevantes. Os pais recebiam vale transporte e bolsas de alimentos, inicialmente doadas por instituições e mais tarde advindas de uma engenhosa parceria entre a 1a. Vara da Infância e Juventude e os JECRIMs. Atendendo à clientela em situação de risco, o projeto ampliou-se até tornar-se um amplo programa educativo, formador e de transferência de renda, compreendendo três módulos: Escola de Pais, -palestras educativas – Família Solidária – apadrinhamento das famílias por outras famílias com um salário mínimo por seis meses enquanto adquiriam alguma formação profissional – e Pais Trabalhando – inserção no mercado de trabalho por meio de convênios com o Tribunal de Justiça e outra empresas para atividades na garagem do TJRJ, na reciclagem de materiais e jardinagem também do TJRJ, comercialização de água de coco, etc., perfazendo um ciclo completo com porta de entrada e de saída, englobando aquisição de conhecimentos, preparação para o trabalho e ocupação laboral, com contrapartidas tais como a saída das ruas, ingresso e manutenção os filhos na escola, atualização das carteiras de vacinação, atendimento a demandas específicas de saúde da família, etc. Tudo isso foi obtido graças ao prestígio do Dr. Siro e aos ecos de sua cruzada permanente em favor dos pequeninos. A avaliação do por uma instituição independente _ a UIPES – revelou os enormes benefícios do Projeto, expressos na não recorrência dos responsáveis nos problemas que os trouxeram ao Judiciário – negligência e maus tratos para com a prole, abandono escolar, vida nas ruas, uso de álcool e drogas e outros –e na experimentação de uma vida mais plena sob o ponto de vista material, social e psicológico

Desconheço como está o projeto atualmente.