Esclarecimentos

 

A propósito da matéria divulgada no R7 de 04 de outubro de 2019, às 22:45h, por vossa emissora (https://www.r7.com/), reitero os esclarecimentos prestados ao repórter que me contatou, esclarecimentos que não foram integralmente reproduzidos pelo jornal, alterando-se o contexto das explicações.

Inicialmente, renovo o repúdio manifestado ante o propósito de incriminação da advocacia que milita na defesa dos direitos fundamentais das pessoas vulneráveis. Sem embargo de equívocos factuais, que são graves, deve ser sublinhado que em uma sociedade democrática é inadmissível que se pretenda criminalizar a defesa de direitos.

Sou militante da causa dos direitos humanos há mais de trinta e cinco anos, como promotor de Justiça, magistrado, advogado ou professor de direito. Trata-se de biografia construída desde a reconciliação do País com a democracia. Embora, na atualidade, a defesa dos direitos dos vulneráveis pareça antipática à vista da ascensão do autoritarismo, esta defesa intransigente segue sendo meu norte, do qual não me desviarei em hipótese alguma.

Foi por isso que, aposentado da Magistratura desde 2012 e de volta à advocacia, tomei a decisão pessoal de atuar gratuitamente nas causas em defesa dos mais desfavorecidos, desde os flanelinhas de Volta Redonda, passando pelos movimentos sociais e populares até os titulares de direitos fundamentais afetados em diversos âmbitos por ação ou omissão dos agentes do Estado.

Esta é uma decisão pessoal na Advocacia que não me é obrigada por nada além da minha consciência.

Neste sentido, fui procurado pelo Instituto Anjos da Liberdade (IAL), de cuja existência tomei conhecimento no II Congresso Nacional de Criminologia, Direito e Processo Penal, organizado pela OAB/RJ em sua sede, no ano de 2018, para atuar em nome dele na defesa de direitos de vulneráveis.

Cumpre deixar claro que o IAL, de acordo com seus estatutos, é uma instituição formada por advogados defensores de direitos humanos voltados à defesa dos direitos e garantias fundamentais de apenados no sistema prisional. O IAL agrega também pesquisadores de diversas formações dedicados à defesa de direitos e garantias fundamentais definidos na Constituição. Defende ainda os direitos decorrentes de Tratados Internacionais de Direitos Humanos e tem representação em pelo menos nove Estados da Federação.

Em nome do IAL e de forma absolutamente gratuita, fui constituído para impugnar a Portaria 157/2019, do Ministro da Justiça e Segurança Pública, que proibiu crianças e adolescentes de terem convívio social com pais presos no sistema federal. O IAL, por sua presidente, havia contatado o Partido dos Trabalhadores (PT), que, sensível à violência aos direitos de crianças e adolescentes, decidiu também ingressar como autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 579.

Inicialmente, fui constituído como advogado de ambos os autores para facilitar o acompanhamento da ADPF 579 no STF. No entanto, com a decisão do Ministro Relator, Edson Fachin, de admitir o IAL exclusivamente como amicus curiae, deixei a representação judicial do PT, que ficou entregue a colegas altamente competentes, permanecendo como advogado do IAL. Neste processo, como em outros em defesa de vulneráveis, não cobrei honorários e sequer isso foi cogitado pelo IAL.

Em outro caso, o IAL me contratou exclusivamente para me somar aos seus advogados na ADPF de nº 517, de natureza estritamente técnica. A ADPF reclamava interpretação constitucional de tema abstrato, a prova no processo penal, mais precisamente a “preservação da cadeia de custódia da prova no processo penal”, assunto da minha especialidade, conforme amplamente conhecido no Brasil e no exterior por conta de livros, artigos e palestras.

Não apenas as questões não se confundem – ADPFs 579 e 517 -, como para a ADPF 517 o contratante foi o IAL, sendo irreais, absurdas e maliciosas as inferências sobre contratação por qualquer organização criminosa. Não tive e não tenho contato com integrantes de quaisquer organizações criminosas.

Os esclarecimentos acima foram prestados pacientemente ao repórter, mas não divulgados corretamente na reportagem, passando-se a inverídica impressão de que fui contratado por organização criminosa, o que somente em delírio é cogitável para quem se dispõe a pesquisar, ainda que rapidamente, minha história de vida.

As ilações factualmente erradas, maliciosas e reprovadoras da defesa de direito de crianças e adolescentes sugerem a incriminação da advocacia dos direitos humanos.

Ao contrário da tendência na sociedade, a causa da defesa destes direitos está na agenda do dia do STF. A ADPF 579, particularmente, tem já data de julgamento solicitada pelo Ministro Relator. Cabe ao STF defender a Constituição.

Antipatizar a causa perante os julgadores e a opinião pública, ainda que a partir de situações inverídicas, parece ser o único caminho para tentar manter em vigor a Portaria 157. Luis Pedernera, presidente do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, e Amanda Griffith, diretora executiva da Family for Every Child, julgaram os termos desta Portaria inaceitáveis no Colóquio Internacional sobre o direito à convivência familiar da criança e do adolescente frente ao sistema prisional no Brasil. O Colóquio foi realizado em 21 de agosto de 2019, em Brasília.

Quero crer que estes esclarecimentos serão prestados ao público deste conceituado jornal, reparando-se equívoco que, a persistir, poderá provocar efeitos danosos aos direitos constitucionais de crianças e adolescentes no Brasil. A regra constitucional de que a pena não extrapolará a pessoa do condenado corre o risco de se transformar em letra morta.

 

Geraldo Prado