O Estatuto da Criança e do Adolescente completava 10 anos de vigência e a oposição à cidadania de crianças e adolescentes era violenta e preconceituosa. Fui ameaçado de ser compulsoriamente removido para outro Juízo quando recebi essa manifestação assinada por 109 servidores do Juizado:

“Desde 1991, quando assumiu o cargo de Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude, Dr. Siro Darlan de Oliveira tem trabalhado incansavelmente para adequar a Justiça da Infância e Juventude aos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei com a qual se identificou desde a primeira hora e da qual é hoje uma espécie de símbolo em nossa Cidade e em todo o País.

Realizava toda semana audiência nas instituições de cumprimento de medida, constatando as terríveis condições que o Estado oferecia aos adolescentes infratores, dava-lhes voz, interessando-se não apenas pelos seus atos, mas por suas vidas e pelos motivos que os levava às portas da justiça. Trabalhou incessantemente pela implantação de práticas dignificantes, pelo acesso dos jovens autores de atos infracionais à educação, à saúde, ao trabalho e a todos os meios de ressocialização. Agindo provocativamente, porém em perfeita consonância com a nova lei, colheu de surpresa uma sociedade apática e indiferente, que naturaliza a criminalidade, compra a ideia da congruência entre pobreza e delinquência, nega o papel das injustiças sociais no engendramento das carreiras dos jovens infratores.

Em 1995, passou a Juiz Titular da 1ª Vara da Infância e Juventude, encarregando-se da face mais silenciosa, menos espalhafatosa, mas talvez mais cruel, do nosso drama social. Para dar conta das inúmeras e graves questões, que se colocavam diariamente diante do Juízo, não bastava apenas aplicar passivamente a lei: era necessário torna-la viva, reconhecendo e desafiando as condições em que os problemas maturavam. Mais uma vez, e com veemência redobrada, passou a exigir das autoridades o cumprimento da proteção integral à criança e ao adolescente prevista no ECA, através de políticas de renda mínima, de habitação, de garanti de creches e escolas, do socorro às famílias cujas carências materiais colocam em risco a integridade de seus filhos. Ao invés de esperar pela resposta, tratou de criar, dentro da própria Justiça da Infância e da Juventude, experiências piloto, com a finalidade de mostrar a todos que é possível, por meio de soluções criativas e engenhosas, reduzir de imediato0 o risco real ou potencial que paira sobre nossos jovens. Surgem assim, dentro da 1ª Vara, sob a inspiração e a supervisão do Juiz, serviços de cursos e empregos para jovens, de busca e encontro de crianças e adolescentes desaparecidos, de promoção social de famílias, de atenção à drogadição, de atendimento a vítimas de violência, de acolhimento e criação de oportunidades para adolescentes de rua. Paralelamente, agilizam-se os processos de adoção e colocação em família substituta, intensificam-se as relações com as entidades de abrigo – o Juiz vai pessoalmente a todos os abrigos da cidade ´não por meio de fiscalização, mas pelo incentivo à reinserção familiar e à adoção de regimes de apoio em meio aberto.

A todas essas atividades, Siro Darlan empresta o prestígio de sua atenção pessoal e a força de seu carisma. Seu gabinete é um vai-e-vem permanente de pessoas de todas as classes e todas as origens, em busca de seu conselho e de sua ajuda, de sua capacidade de criar atalhos, de saltar obstáculos, de cortar a cauda da burocracia, de imagina soluções, graças à sua inteligência, sua lucidez, sua energia, seu humor, sua paixão e sua fé na vida.

Uma das chaves para a realização deste imenso trabalho reside na capacidade deste Juiz de instilar em sua equipe o mesmo entusiasmo e o mesmo compromisso, tornando nosso Juizado uma repartição orgânica, viva, vibrando no mesmo tom das necessidades dos que a procuram ou dela necessitam. A 1ª Vara da Infância e da Juventude transplanta-se uma vez por mês para uma comunidade carente da cidade, levando todos os seus serviços, sua equipe e principalmente seu Juiz. A população, habituada ao descaso do Poder Público e à chuva de balas mortíferas, acorre em massa a essa chuva cidadã que promove atenção e direitos e fecunda a paz.

Não somos hoje um País mais justo, não conseguimos resgatar a dívida que nos assola há séculos. Mas as práticas especiais promovidas por es Juíz singular, que tem a cabeça nas nuvens e os pés no chão, numa raríssima e inusitada mistura de idealismo desenfreado e sólido pragmatismo, destacam-se como ilhas de eficiência e de compromisso social, de tal forma que as Nações Unidas reconhecem a 1ª Vara da Infância e Juventude “um exemplo em iniciativas pró-ativas para levar justiça social a comunidades marginalizadas que deve ser conhecida e copiada” (Juan Petit – Relator da ONU).

Este Juiz, que tanto tem feito para desmentir a percepção pública de que o Judiciário é uma casta de privilegiados indiferentes ao sofrimento de nosso povo, acaba de sofrer uma censura formal de seus pares, em virtude de, por sua notoriedade, ter um episódio de sua vida privada se transformado em notícia sensacionalista. Neste momento, nós, os que trabalhamos na 1ª Vara da Infância e Juventude somos compelidos, pelo apreço ao que ele tem realizado e nos permitido realizar, a formar em torno de nosso Juíz um círculo d solidariedade, celebrando com ele, para além da mágoa momentânea, a beleza e o acerto deste trabalho romântico e objetivo, visionário e real – prólogo da Justiça com que sonhamos em todas as instâncias, festa de cidadania que tem beneficiado milhares de crianças, adolescentes e famílias ao longo desses anos.

 

Seguem 109 assinaturas de servidores da Justiça.