Luzes e sombras da Justiça brasileira.
Des. Siro Darlan – Membro da Associação Juízes para a democracia e do Instituto dos Advogados do Brasil.

A justiça é um conjunto de luzes e sombras, felizmente mais luzes do que sombras ao longo de nossa história. Diariamente são pautados assuntos de interesse coletivos cuja decisão será dada por algum Tribunal do país, com projeção maior para nossa Corte Maior, o Supremo Tribunal Federal que decida questões da mais alta relevância para o conjunto da cidadania, sobretudo no campo dos direitos fundamentais.
Recentemente foi colocada uma pá de cal no debate sobre a lei de anistia prevalecendo o entendimento que com a reconciliação nacional alcançada com o fim da ditadura todos os crimes de ambos os lados devem ser esquecidos. Não é uma decisão de fácil aceitação, sobretudo quando no cenário internacional, passados mais de 50 anos do fim da última grande guerra mundial ainda são caçados prováveis autores de crimes praticados contra a humanidade.
Os juízes de Hitler eram os mesmos da República de Weimar. Hitler não os substitui. Assim como os juízes que serviram a ditadura militar, com raríssimas exceções dentre aqueles que foram cassados, eram os mesmos dos tempos democráticos que a antecederam.
Conta-se inclusive que era comum a justiça alemã retirar a guarda dos filhos dos seguidores de testemunhas de Jeová, porque esse segmento religioso repudiara o nazismo.
Desse modo os atos ditatoriais foram homologados pela justiça brasileira e o regime de exceção foi confirmado pelo judiciário, onde muitos crimes foram praticados em nome de princípios como o da segurança nacional e do combate ao regime comunista, dentre outras motivações, sem que houvesse uma resposta ética e legal respeitosa com os direitos humanos.
Hoje vivemos outra época de liberdade e garantias constitucionais plenas, mas ainda encontramos nas decisões judiciais vícios das quase três décadas que vivemos sob o regime totalitário. No judiciário ainda há normas e princípios que representam a ausência dos valores desejados numa democracia participativa como, por exemplo, no critério de escolha dos administradores onde apenas ao cinco mais antigos desembargadores podem ser eleitos para a presidência dos tribunais.
Também é resquício de uma lei editada no período ditatorial o critério de seleção da administração apenas pelos desembargadores quando o coletivo de magistrados a ser representado costuma ser dez vezes maior que o colégio de desembargadores. Esse critério nada democrático transforma o que deveria ser uma eleição em mera homologação de uma comunidade governada pelos critérios gerontológicos.
A conseqüência direta da ausência de critérios democráticos é a falta de transparência administrativa, que é uma das maiores preocupações do Conselho Nacional de Justiça que a rodo momento intervém nos Tribunais ditando normas de procedimento e anulando atos fraudulentos. Outra conseqüência é o descrédito do aparelho judiciário em virtude da prática de atos que afrontam a moralidade pública por uma instituição que sempre foi para o cidadão o baluarte da defesa da legalidade e da ética.
Portanto a verdadeira reforma do judiciário deve começar pela democratização dos critérios de escolha de seus dirigentes, pela total transparência de seus atos todos públicos e nenhum secreto como manda a Constituição. Total transparência de seus gastos, cujo orçamento deve ser elaborado com a participação de magistrados de todas as instâncias e cidadãos especialistas em finanças públicas.
Desse modo o poder que nos foi outorgado pelo povo será verdadeiramente um poder a serviço do povo.