Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 645.729 – RJ (2004/0034007-8) (f)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

RECORRENTE : INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA

ADVOGADO : JOSÉ EDUARDO FONTES MAYA FERREIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO : SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

ADVOGADO : MÁRIO EDUARDO DEL PELOSO DE CASTRO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA contra

acórdão do TJRJ, que deu provimento à apelação movida pelo desembargador fluminense

SIRO DARLAN DE OLIVEIRA para aumentar o quantum indenizatório fixado na sentença,

ao tempo que negou provimento ao apelo da ora recorrente.

Ação

Em outubro de 2001, o ora recorrido – então juiz de Direito – ajuizou ação de

reparação de danos morais contra a recorrente, por conta de chamada de primeira página

publicada no jornal  O Globo, dias antes, com os seguintes dizeres:

Siro Darlan, um juiz entre gays

Entre fotos de homens nus, a última edição da ‘G Magazine’, revista gay, traz

entrevista surpreendente com o polêmico e moralista juiz de menores do Rio, Siro

Darlan”. (grifo original)

A chamada remetia à coluna do jornalista Ancelmo Gois, publicada naquela

edição do jornal, onde estava a nota intitulada “Juiz com G”, nesses termos:

“Viciado em holofotes, o juiz Siro Darlan é o entrevistado principal da ‘G Magazine’,

revista erótica proibida para os menores que ele tanto protege.

Por causa da reportagem, já tem gente na cúpula do Tribunal de Justiça do Rio que

está querendo ‘deportá-lo’ para Portugal por uns seis meses. A conferir”.

Entendeu o recorrido que sua honra foi ofendida pelo “tom acintoso” da nota,

segundo a qual “o autor objetiva alcançar notoriedade pelo simples fato de conceder uma

entrevista a uma publicação regular e lícita”. Acrescenta que seria “discriminação” de sua

parte caso se recusasse a conceder entrevista à revista G Magazine , uma vez que “sempre

que possível atende a todos os órgãos da imprensa”. Reclamou ainda do destaque na

primeira página, pois sua entrevista seria “notícia velha” e ressaltou que a coluna passava

uma “insinuação subliminar de que nem o fato da revista ser proibida para menores (…)

fizeram com que o polêmico e moralista juiz da Infância e Juventude, um viciado em

holofotes, o evitassem” ( sic).

RELATÓRIO, EMENTA E VOTO –

Superior Tribunal de Justiça

Para o recorrido, a notícia representou transtorno em sua carreira como

magistrado, por suscitar “desconfianças” entre os jurisdicionados sobre sua seriedade, “o

que abala a credibilidade de suas decisões”. Pleiteou então a condenação da recorrente em

danos morais (arts. 5º, X, da CF e 1.553 do CC/1916), juros de mora, custas e honorários

advocatícios (fls. 2/8).

Resposta

A ora recorrente contestou a ação, argumentando, em resumo: a) inépcia da

inicial, por não ser certo e determinado o pedido, b) aplicabilidade da Lei de Imprensa, c)

inegável interesse popular da matéria, que não possuía o objetivo de ofender ou denegrir a

imagem do magistrado, d) “quem compra periódico do gênero da revista G Magazine, não

está a pretender se informar, mas sim dar vazão à sua libido”, e) o autor não incorreria em

discriminação se não atendesse a reportagem da G Magazine , f) o juiz SIRO DARLAN seria

efetivamente uma “figura polêmica, sempre envolvido em controvérsias e que desde 1995

(…) vem destacando boa parte da atenção da mídia aos seus procedimentos”, citando

exemplos como “mandar cobrir os seios de bailarina em outdoor do espetáculo”, “proibir

crianças em escolas de samba e nos shows da banda Planet Hemp”, “coibir letras de funk

que falam de sexo nas rádios” e “recolher pôsteres da revista Playboy com a dançarina

Carla Perez na capa”, g) a notícia seria verídica e existia o interesse de membros do TJRJ

em “afastar o autor do cenário por algum tempo”, h) inexistência de dolo ou culpa e dever

de informar fatos de conhecimento público, i) os juízes, por serem ocupantes de cargo

público, devem ter uma conduta social de absoluta compostura e circunspecção, j) estar a

manifestação dentro do direito de crítica do jornalista, k) ausência de prova dos danos

alegados, l) limitação do valor indenizatório aos parâmetros da Lei n. 5.250/1967 e m) não

cabimento de “juros compostos” (fls. 35/73).

Sentença

Afastada a preliminar de inépcia, o pedido foi julgado procedente e a ora

recorrente condenada ao pagamento de 200 salários mínimos, custas e honorários

advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação (fls. 296/302).

Apelações

O recorrido pleiteou a majoração do quantum indenizatório, a incidência dos

juros legais, nos termos dos arts. 962 e 1.544 do CC/1916, e a duplicação dos honorários

advocatícios (fls. 312/324).

A recorrente repetiu os argumentos de sua contestação (fls. 329/374).

Acórdãos recorridos

O TJRJ negou provimento ao agravo retido que sustentava a inépcia da petição inicial, rejeitou a preliminar de aplicação da Lei de Imprensa, negou provimento ao Superior Tribunal de Justiça  apelo da editora e deu parcial provimento ao recurso do magistrado, apenas para elevar a

indenização para R$ 100.000,00 (cem mil reais), com juros fixados nos termos do art. 406 do CC/2002. Entendeu que o jornal “revelou comportamento irônico e ofensivo” e “mentiu” no que toca à alegada “deportação” do recorrido para Portugal (fls. 406/408 e 411/423).

Os embargos declatórios opostos contra o acórdão foram rejeitados (fls. 434/436).

Recurso especial

Inconformada com a decisão da Corte fluminense, a INFOGLOBO

COMUNICAÇÕES LTDA interpôs recurso especial fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Em extensas 81 laudas (fls. 438/518), aduziu: a) negativa de vigência aos arts. 535, II, 458, II, e 165 do CPC, por omissão na apreciação de pedidos formulados em sede de embargos declaratórios, b) violação dos arts. 286, IV, e 282 do CPC, diante da inépcia da inicial, por não ser certo e determinado o pedido, feito sem indicação do montante pleiteado, c) aplicação da Lei de Imprensa, d) afronta ao art. 159 do CC/1916, em decorrência do forte clamor popular da matéria e do público alvo da revista G Magazine , e) liberdade de imprensa, dever de informar e inexistência de dolo ou culpa, nos termos dos

arts. 220 da CF e 160, I, do CC/1916, f) violação do art. 1º, caput, da Lei de Imprensa, que assegura o direito de crítica jornalística, g) ausência de prova dos danos alegados, h) limitação do valor indenizatório aos parâmetros dos arts. 51 e 52 da Lei n. 5.250/1967, sendo possível ao STJ controlar o quantum indenizatório nos casos em que este se revele exagerado, i) negativa de vigência aos arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916 e ao art. 2.035 do CC/2002, por ter o TJRJ fixado os juros de acordo com as regras do novo Código Civil,  quando deveriam ter sido aplicadas as disposições do CC/1916, e j) dissídio jurisprudencial quanto a todos os pontos alegados.

Menciona a recorrente, ainda: i) inverídica alegação de discriminação, ii) “vício em holofotes” por parte do recorrido, iii) grande repercussão da entrevista e iv) ser o juiz pessoa pública. Quanto a tais argumentos, deixou de explicar quais dispositivos legais estariam sendo violados pelo aresto recorrido.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 522/537), onde se alega incidência das Súmulas ns. 7 e 211 do STJ, inocorrência das alegadas violações legais e

inaplicabilidade da Lei de Imprensa.

Admissibilidade positiva na origem (fls. 553/554).

Em outubro de 2011, o recorrido pediu tramitação preferencial do recurso, por possuir mais de 60 anos (fl. 564). Deixou, contudo, de comprovar sua idade, conforme se observa da certidão da Coordenadoria da Quarta Turma (fl. 577).

Superior Tribunal de Justiça

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 645.729 – RJ (2004/0034007-8) (f)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

RECORRENTE : INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA

ADVOGADO : JOSÉ EDUARDO FONTES MAYA FERREIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO : SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

ADVOGADO : MÁRIO EDUARDO DEL PELOSO DE CASTRO E OUTRO(S)

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. IMPRENSA. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. LEI DE IMPRENSA.

INAPLICABILIDADE (ADPF N. 130/STF). PEDIDO. INDICAÇÃO EXATA DO VALOR PLEITEADO. DESNECESSIDADE. INÉPCIA DA INICIAL NÃO

CONFIGURADA. OFENSA À HONRA. NOTA EM COLUNA SOCIAL DE CARÁTER SENSACIONALISTA, COM EXAGERO DO DIREITO-DEVER DE

INFORMAR. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL. VALOR INDENIZATÓRIO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE PELO STJ QUANDO

VERIFICADO EXAGERO. REDUÇÃO. JUROS DE MORA. FIXAÇÃO.

1. Não se verificam as alegadas omissões no acórdão recorrido, que expressamente afastou a incidência da Lei de Imprensa e levou em consideração o art. 159 do Código Civil de 1916. Inocorrência, de igual modo, de omissão quanto à fixação dos juros de mora.

2. A Lei n. 5.250/1967 (Lei de Imprensa) foi declarada incompatível com a Constituição Federal de 1988 pelo Eg. Supremo Tribunal Federal (ADPF n. 130, Relator o Ministro CARLOS AYRES BRITTO, PLENÁRIO, julgada em 30/4/2009).

3. Não há inépcia da inicial em ação que busca a condenação por danos morais e o autor deixa a fixação do montante ao prudente arbítrio do julgador.

Precedentes.

4. Confronto entre a inviolabilidade da intimidade e da honra das pessoas e a liberdade de expressão jornalística. Exagero no direito-dever de informar,

pelo teor sensacionalista da notícia, prevalecendo a defesa da honra do ofendido.

5. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o STJ pode alterar o valor dos danos morais quando fixados de maneira exagerada, sem

que isso implique revolvimento do conteúdo fático-probatório.

6. No caso, o valor comporta redução, levando-se em consideração aspectos como a presença constante do recorrido em reportagens polêmicas e de

grande repercussão, ser ele pessoa pública e não se tratando de ofensa de natureza extremamente grave.

7. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data (EREsp

n. 727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 20/11/2008).

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, parcialmente provido.

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 645.729 – RJ (2004/0034007-8) (f)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

RECORRENTE : INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA

ADVOGADO : JOSÉ EDUARDO FONTES MAYA FERREIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO : SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

ADVOGADO : MÁRIO EDUARDO DEL PELOSO DE CASTRO E OUTRO(S)

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator):

O recurso deve ser parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.

Do vício de omissão .O recurso não merecer prosperar quanto ao argumento de violação dos arts. 535, II, 458, II, e 165, do CPC, uma vez não verificadas as apontadas omissões e equívocos no acórdão recorrido.

Pretendeu a recorrente que o TJ RJ tratasse expressamente da aplicabilidade do art. 159 do CC/1916 e dos arts. 51, 52 e 56, estes da Lei de Imprensa. Tais dispositivos tratam da necessidade de reparação do dano causado a terceiros, da responsabilidade civil dos órgãos de imprensa e jornalistas e do prazo de decadência das ações fundadas na Lei n. 5.250/1967.

O aresto afastou expressa e justificadamente a incidência da Lei de Imprensa ao caso concreto e, embora não tenha feito expressa referência ao art. 159 do antigo diploma civil, levou-o em consideração em sua fundamentação, satisfazendo plenamente o requisito do prequestionamento.

Por outro lado, também não está configurada a omissão relativa ao critério de fixação dos juros de mora. A Corte estadual optou pela incidência do art. 406 do CC/2002 em vez dos arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916, como pretendia a recorrente. Há nítido inconformismo – reiterado depois em sede de recurso especial – com a opção adotada pelo acórdão, mas não há que se falar em negativa de vigência aos arts. 535, II, 458, II, e 165 do CPC.

Das inobservância à Lei de Imprensa O recurso não deve ser conhecido no que toca às alegadas ofensas aos artigos da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967), norma jurídica considerada, pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, incompatível com a Constituição Federal de 1988 (ADPF n. 130,  julgada pelo Plenário do STF em 30/4/2009, Relator o eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO).

Confira-se trecho da ementa do julgado da Suprema Corte (grifei):

10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica  de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de “interpretação conforme a Constituição”

. A técnica da interpretação conforme não pode  artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de  sabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do

Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso .

11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa.

O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua

honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, “de eficácia plena e de aplicabilidade imediata”, conforme classificação de José Afonso da Silva. “Norma de pronta aplicação”, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.

12. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 “.

Assim, o recurso especial não reúne condições de admissibilidade quanto às ponderações de ofensa aos dispositivos da Lei n. 5.250/1967, uma vez que tal diploma legal não foi recepcionado pela CF/1988.

Neste sentido, a jurisprudência desta Corte: “Lei de Imprensa. Não-recepção. Sobrevivência do direito de resposta. Precedente do STF. Direito à publicação de sentença. Distinção. Ausência de dispositivo legal que, após a não-recepção da Lei de Imprensa, ampare essa pretensão. Recurso especial improvido.

– Com o julgamento da ADPF 130, pelo STF, restou estabelecida a não-recepção da Lei de Imprensa pelo atual panorama constitucional. Dada a  possibilidade de modulação de efeitos de decisões de não-recepção, consoante precedentes do STF, a Lei de Imprensa deve ser considerada inválida desde a promulgação da CF/88.

(…)Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp n. 885.248/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 21/5/2010).

“RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE DANOS MORAIS DECORRENTES DE ENTREVISTA A RÁDIO. APLICAÇÃO DE

DISPOSITIVO DA LEI DE IMPRENSA PARA RECONHECER TER OPERADO A DECADÊNCIA. INVIABILIDADE, POIS O DIPLOMA NÃO FOI  RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

1. O STF declarou, no julgamento da ADPF 130, relatada pelo Ministro Carlos Britto, que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou a Lei de Imprensa. Desse modo, é correto o entendimento da Corte de origem quanto ao não cabimento da decadência com base naquele diploma legal incompatível com a Carta Magna.

2. No caso, a aplicação da Lei de Imprensa foi repelida pelo Tribunal e o recorrente pretende a sua incidência, ficando estabelecido ser inviável o  conhecimento do recurso especial. Precedentes.

3. Recurso especial não conhecido”.

(REsp n. 997.647/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, julgado em 20/3/2012, DJe 9/4/2012)

Da inépcia da petição inicial

Nesse ponto, o recurso não comporta provimento.

Para a recorrente, a inicial deveria ser declarada inepta, por não ter o recorrido indicado a quantia pretendida a título de danos morais, o que infringiria os arts. 282 e 286 do CPC.

Contudo, em sua petição inicial, o recorrido expôs os fatos e fundamentos jurídicos de seu pedido, além de especificar claramente o pedido, nos seguintes termos: “à vista do exposto, e em total conformidade com as disposições legais, é a presente para requerer:

(…)

b) procedência do pedido para condenar o réu ao pagamento das seguintes verbas:

1) Dano moral a ser fixado consoante o art. 1.553 do Código Civil;

2) juros de mora…;

3) Custas e honorários advocatícios…”.

Não se verifica a alegada inépcia da inicial em ação que busca a condenação por danos morais e deixa a fixação do montante ao prudente arbítrio do julgador, como no caso ora em julgamento.

Neste sentido, a jurisprudência do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 286, 295 I DO CPC. AUSÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL.

INOCORRÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. FIXAÇÃO. VALOR GENÉRICO

1. A agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão que pretende ver reformada, razão pela qual entende-se que ela há de ser mantida na íntegra.

2. É assente no STJ o entendimento de ser possível a formulação de pedido genérico em ação visando ao ressarcimento de danos morais, não havendo

falar-se em inépcia da petição inicial.

3. Agravo regimental a que se nega provimento”.

(AgRg no Ag 1.066.346/SP, Rel. Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em

3/2/2009, DJe 23/3/2009)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DECISÃO EXTRA PETITA.

INOCORRÊNCIA. PEDIDO GENÉRICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.

MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N.º 07/STJ.

(…)

2. O pedido inicial, como manifestações de vontade, deve ser interpretado à luz do princípio da efetividade e da economia processual, que visam conferir à parte um máximo de resultado com um mínimo de esforço processual.

3. Consectariamente, muito embora a lei processual imponha que o pedido seja certo e determinado não obsta que o mesmo seja genérico, como, in casu, em que foi requerida a indenização pelos danos materiais e morais sem definição, initio litis, dquantum debeatur.(…)

7. O quantum indenizatório devido a título de danos morais deve assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de levar em conta a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrado pelo juiz de maneira que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade

8. O valor da indenização por danos morais é passível de revisão pelo STJ quando este se configure irrisório ou exorbitante, sem que isso, implique análise de matéria fática (Precedentes: AgRg no AG 624351/RJ, 4ª Turma, Ministro Relator Jorge

Scartezzini, DJU 28/02/2005; RESP 604801/RS, 2ª Turma, Ministra Relatora Eliana

Calmon, DJU 07/03/2005; RESP 466969/RN ; deste relator, DJ de 05.05.2003;

AGRESP 324130, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, DJ de 04/02/2002; RESP 418502/SP; deste relator, DJ de 30.09.2002; RESP

331279/CE, deste relator, DJ de 03/06/2002) (…)

12. Recurso especial parcialmente conhecido, porém, improvido”.

(REsp 693.172/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em

23/8/2005, DJ 12/9/2005)

“Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Dano moral. Valor.

1. Tratando-se de pedido indenizatório relativo a dano moral, não se justifica o indeferimento da inicial pela ausência de indicação do valor exato pleiteado, o qual poderá ser arbitrado em sentença.

Precedentes.

2. Agravo regimental improvido”.

(AgRg no Ag 295.154/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,

TERCEIRA TURMA, julgado em 29/08/2000, DJ 02/10/2000, p. 168)

Da ofensa contra a honra

Quanto à alegada violação dos arts. 159 e 160, I, do CC/1916 e aos argumentos de forte clamor popular da reportagem, liberdade de imprensa, inexistência de

dolo ou culpa por parte do jornal O Globo, direito de crítica jornalística e ausência de prova dos danos, também não merece prosperar o recurso.

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal garante a “livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5º, inc. IX), ela também classifica com “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, inc. X).

No caso em julgamento, poderia ter o matutino exercido seu direito-dever de informar a respeito da entrevista concedida pelo magistrado à revista

G Magazine de forma direta, sem comentários jocosos, como ocorrido em uma de suas mais prestigiadas colunas- a do jornalista Ancelmo Gois -, com chamada de capa e termos tais como “um juiz entre gays” e “Juiz com G” (leia-se “Juiz com G Maiúsculo “).

Nas entrelinhas, fez mais provocações, como se observa dos seguintes trechos: “entre fotos de homens nus, a (…) ‘G Magazine’, revista gay, traz entrevista surpreendente com o polêmico e moralista juiz de menores” e “o juiz Siro Darlan é o entrevistado principal da ‘G Magazine’, revista erótica proibida para os menores que ele tanto protege”. Há, neste ponto, nítida ilação de que o magistrado estaria fazendo algo errado (quiçá ilícito ou imoral) ao conceder entrevista a uma revista de conteúdo erótico e direcionada ao público adulto.

Não beneficiam o recorrente os argumentos segundo os quais o recorrido poderia ter se recusado a conceder tal entrevista sem que isso configurasse discriminação ou de que o público alvo da publicação procura “esse gênero de periódico não (…) em virtude das reportagens sociais ou culturais, mas sim em virtude do erotismo e das fantasias que suas fotos e matérias ‘específicas’ criam”.

Também se afigura ofensiva a insinuação segundo a qual “tem gente na cúpula do Tribunal de Justiça do Rio que está querendo ‘deportá-lo’ para Portugal por uns seis meses. A conferir”. Com efeito, para o enorme público leitor do jornal, que dificilmente teria acesso à informação verdadeira, de que o juiz fora contemplado com uma bolsa de estudos em Portugal, a impressão transmitida é que o magistrado fora efetivamente afastado, repreendido pela cúpula do TJRJ, ou “deportado”, nos exatos termos publicados no jornal.

Dessa forma, resta configurado quando não o dolo em macular a imagem do recorrido, no mínimo a culpa pelo teor sensacionalista da nota publicada, o que extrapola o exercício regular do direito de informar da recorrente e gera a obrigação de reparar o dano causado.

Deve ser afastada, de igual modo, a alegação de ausência de prova dos danos, uma vez que a ofensa moral, por ser personalíssima e vinculada a sentimentos

íntimos, dispensa prova direta, como se dano material fosse. Segundo a jurisprudência uniforme desta Corte, deve estar provado nos autos o fato que gerou a dor ou o sofrimento, configurando-se o dano moral in re ipsa, decorrente do próprio fato.

Do valor da indenização

Em agosto de 2003, o TJRJ aumentou o quantum indenizatório de 200 salários mínimos vigentes à época, fixados na origem, para R$ 100.000,00 (cem mil reais), corrigidos. A pretensão de limitar tal quantia aos parâmetros indicados na Lei de Imprensa não pode ser acolhida, como explicado no início do voto, pela inconstitucionalidade do referido diploma legal.

Entretanto, é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o STJ pode rever o valor dos danos morais quando fixados de maneira  exagerada, sem que isso implique revolvimento do conteúdo fático-probatório.

Neste sentido:

“AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

EFEITOS INFRINGENTES. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA. MATÉRIA CONTROVERTIDA À ÉPOCA DA DECISÃO

RESCINDENDA. SÚMULA 343/STF. APLICABILIDADE. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. ART. 5º, LV, DA CF. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO

FEDERAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DO STF. CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO OCORRÊNCIA. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO PELO STJ. POSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. HIPÓTESES DE CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. FALTA DE PREVISÃO. (…)

5. É uníssono o entendimento das Turmas que integram a Segunda Seção deste Sodalício no sentido de que o valor arbitrado a título de compensação por danos morais está sujeito ao controle do Superior Tribunal de Justiça, desde que seja irrisório ou exagerado, não atraindo, neste caso, o óbice da Súmula 7/STJ. (…)

7. Ação rescisória julgada improcedente”.

(AR 3.933/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/02/2011, DJe

04/03/2011) “RESPONSABILIDADE CIVIL. ENCERRAMENTO DE CONTA-CORRENTE COM QUITAÇÃO DE TODOS OS DÉBITOS PENDENTES. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DA CLIENTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL PRESUMIDO. VALOR DA REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. POSSIBILIDADE. (…)

II – Em casos que tais, o dano é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato e da experiência comum.

III – Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, atendendo às

peculiaridades do caso concreto, o que, na espécie, não ocorreu, distanciando-se o quantum arbitrado da razoabilidade. Recurso Especial parcialmente provido”.

(REsp 786.239/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 13/05/2009)

No caso, a quantia fixada deve ser reduzida, levando-se em consideração três aspectos: i) a circunstância de o recorrido, no exercício da magistratura, ter-se projetado e, voluntária ou involuntariamente, merecido destaque nos órgãos de imprensa em virtude da repercussão de diversas decisões judiciais, que suscitaram muita polêmica – o que a recorrente chama de “vício em holofotes” e pode ser constatado nos documentos juntados às fls. 129/187 dos autos -, ii) ser ele pessoa pública e, assim, estar mais sujeito à fiscalização de sua conduta pela imprensa e pela sociedade, e iii) inexistir prova nos autos de que o jornal obteve qualquer aumento de vendagem ou de faturamento com a publicação da nota.

Embora haja grande subjetividade no arbitramento da indenização, até em decorrência de as situações fáticas serem muito díspares, é certo que a quantia aqui arbitrada mostra-se exagerada, como pode ser observado dos seguintes casos julgados pelas Turmas de Direito Privado deste STJ: no AgRg no AREsp n. 170.218/CE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, ficou mantida a condenação da Editora Globo em R$ 90.000,00; no REsp n. 1.125.355/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, o SBT e o apresentador Carlos Massa tiveram sua condenação reduzida de 500 para 150 salários mínimos; e no REsp n. 401.358/PB, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS, QUARTA TURMA, o valor devido pela Editora Abril foi reduzido para R$ 20.750,00.

Assim, não sendo extremamente grave a ofensa, fundado nos motivos acima descritos e seguindo os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, entendo deva ser reduzido o valor indenizatório para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quantia apta a reparar os danos morais verificados.

Dos juros de mora

Por fim, tem razão, em parte, a recorrente, ao requerer a revisão da forma como foram fixados os juros de mora. De acordo com o entendimento atual deste Superior Tribunal de Justiça, firmado pela egrégia CORTE ESPECIAL, no EREsp n. 727.842/SP, Relator o Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 8/9/2008, publicado no DJe de 20/11/2008, os juros incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% (meio por cento) ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil (na sistemática do art. 1.062 do CC/1916) e pela Taxa Selic após esta data, nos termos do art. 406 do CC/2002.

Dos honorários advocatícios

Com relação aos honorários advocatícios, mantenho o disposto na sentença, que fixou-os em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no art. 20, § 3º, do CPC. Arcará a recorrente com honorários e custas processuais.

Diante do exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, na extensão, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, tão-somente para reduzir o valor fixado a título de danos morais e determinar novo cálculo dos juros de mora.

É como voto.