Palmada é covardia.

Siro Darlan, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, membro da Associação Juízes para a Democracia.

Um grande debate tomou conta da sociedade sobre o direito dos pais espancarem ou não seus filhos. Espantoso que ainda haja uma aprovação de, segundo a pesquisa realizada, 54% para as práticas consagradas em nossa cultura de violência contra crianças quando até os animais irracionais são poupados de toda e qualquer forma de violência.
Essa prática tão arraigada no seio das famílias leva às mais hediondas formas de “educação” a ponto de chamar alguns essa covardia contra seres indefesos de “palmada pedagógica”. Outros, sem identificar os malefícios do ato afirmam que sempre foram espancados por seus pais e não são revoltados, nem ficaram pessoas violentas, sem se dar conta que basta esse posicionamento a favor da violência para demonstrar o quão pernicioso para sua formação e caráter foram as palmadas sofridas por agentes que têm o dever natural de amar e cuidar.
Existem explicações históricas e culturais para a prática do espancamento por pais que coincidem com a chegada dos europeus em nosso continente. Os habitantes da terra sempre foram exemplos de respeito ás crianças e idosos. Crianças sempre foram para os índios motivo de cuidado e respeito e os idosos sinônimos de experiência e autoridade.
Já os invasores tinham que se impor através da falsa autoridade da violência e o resultado além de dizimarem os donos da terra foi a cultura da violência contra crianças indefesas uma vez que essa era a única forma de se impor como autoridades.
Até hoje essa cultura influencia a opinião pública como demonstram o resultado da pesquisa e as reportagens estampadas nas principais revistas formadoras de opinião do Brasil, e o debate sempre presente pleiteando a redução da responsabilidade penal. É a prevalência do processo de exclusão sobre a educação. Espancar é a resposta imediata para quem quer impor uma falsa autoridade, que embora pareça mais eficaz, mostra uma ineficiência gritante quando cotejado com a autoridade de quem ensina com conselhos, exemplos e cuidados.
As doutrinas políticas adotadas ao longo de nossa história mostram o desprezo com esse segmento da população somente erigido á categoria de sujeitos de direitos com o advento da Carta de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Até então crianças e adolescentes, até então denominados “menores” eram mero objetos de atos de piedade como bem o demonstrou a doutrina da situação irregular vigente por longo prazo no Brasil.
Alguns lamentaram a edição da lei afirmando que os pais teriam ficado com as mãos atadas. Essa imagem não é verdadeira porque as mãos dos pais devem ser usadas para dar carinho, para cuidar desses seres em desenvolvimento, para indicar o caminho do bem, da honestidade e do respeito ao próximo.
No cenário internacional o castigo corporal contra crianças e adolescentes já é uma preocupação de longa data tanto que 25 nações já colocaram em prática a legislação protetora e na Suécia os castigos corporais e humilhantes já são proibidos desde 1979. Outros países como Venezuela, Uruguai, Costa Rica, Espanha e Portugal tomaram a mesma iniciativa.
No Brasil a lei é uma necessidade não com o objetivo de eventualmente punir pais que exagerem em seus métodos “educacionais” e sim para combater a cultura do medo e da violência covarde contra crianças, e contou com a iniciativa de especialistas que discutem essa e outras formas de violências contra pessoas em processo de desenvolvimento através da Rede Não bata Eduque.
O castigo corporal como método de disciplina se perpetrou como resultado da tolerância e da aceitação social e estatal e a despeito de sua ineficácia educacional tem servido de fonte de violências cada vez mais intensas e acolhidas pela opinião pública, além de outras formas de violação aos direitos humanos de crianças e adolescentes que precisam ser combatidas em prol de uma sociedade mais solidária onde reine a paz, a concórdia e a justiça.