A PALAVRA PARTILHADA.
Desembargador Siro Darlan – Tribunal de Justiça RJ e Membro da Associação Juízes para a Democracia

O mês de setembro é dedicado à Bíblia Sagrada, que é o meio de comunicação escolhido por Deus para manifestar sua Palavra à humanidade. Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu Nome, aí Eu estarei. As comunidades cristãs costumam se encontrar para partilharem o Pão e a Palavra e alimentarem-se espiritualmente para suas labutas diárias.
O encontro comunitário é rico porque toda energia emanada do culto na Igreja reunida fortalece a todos os presentes. Contudo não se pode guardar essa energia apenas para os presentes. A Igreja deve se comunicar com todos os membros presentes e ausentes contagiando até mesmo os que já partiram dessa vida, mas são membros da mesma comunidade dos Filhos de Deus.
O que nos leva à Igreja é a necessidade de partilhar o Amor de Deus a todos nós. Não seria justo que permanecemos depositários desse Amor sem compartilhar com todos, sobretudo aqueles que mais se afastaram da Palavra. Quando Jesus fala, nas suas parábolas, do pastor que vai atrás da ovelha perdida, da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao encontro do filho pródigo e o abraça, não se trata apenas de palavras, mas constituem exemplos que todos devemos seguir e buscar sem sua Palavra inspiração para nosso atuar.
Quando contemplamos a imagem de um Deus que morre na cruz para salvar o homem de sua queda não se trata apenas do amor na sua forma mais radical, mas é o caminho que devemos seguir eis que nosso destino é o Amor compartilhado. Assim é que São Paulo nos adverte que nada adianta a Fé sem as ações e as ações foram indicadas pelo próprio Deus. Viver nossa religiosidade dentro do Templo nos aproxima mais de São Tomé e deixa enfraquecida nossa fé que deve nos provocar a remover montanhas e o simbolismo dessas montanhas removidas passa pelo combate a forma preconceituosa como olhamos nossos irmãos mais empobrecidos.
Quando Cristo partilha conosco seu próprio corpo e sangue e o Sacramento se aproxima do homem, através do abaixamento de Deus até nós humanos nos aponta a direção a ser seguida quando somos tomados pela soberba de angariar muitos bens materiais quando tantos são os irmãos carentes com fome e sede de justiça. Manter inabaláveis os privilégios de alguns que tem acesso a bens e direitos em detrimento de tantos pobres e despossuídos é a antítese da mensagem de Cristo. Se o próprio Deus se deu em doação através da partilha do Pão e da Palavra porque nós temos o direito de abocanhar esses bens para mantê-los egoisticamente fora do alcance de nossos irmãos empobrecidos.
O que o Mestre quer nos dizer quando conta que o rico avarento implora que sejamos informados sobre as conseqüências de ignorarmos os pobres que passam necessidades? Qual o conceito de próximo devemos adotar? Será que os pedintes que estão na porta da Igreja merecem nosso desprezo? As crianças que pedem nos sinais de nossa Cidade Maravilhosa são “trombadinhas”, ou devemos olhar para eles com a mesma misericórdia que fez o Bom Samaritano parar e socorrer que precisa de ajuda? Qualquer um que precise de mim e eu possa ajudá-lo, é o meu próximo. Jesus identifica-Se com os mais necessitados: famintos, sedentos, forasteiros, nus, enfermos, encarcerados. “Sempre que fizestes isto a um destes irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes” (Mt. 25,40).
Ora se é assim que Jesus quer que façamos qual o motivo de nos deixarmos levar pelas pessoas que pedem mais encarceramento para os jovens abandonados pela família, pelo poder público e pela sociedade que grita por vingança ao invés de Justiça. O que nos leva ao apego aos privilégios e á diferenças sociais que tanto nos distancia de nossos próximos mais pequeninos? O Amor a Deus e o amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino, encontramos o próprio o próprio Jesus e, em Jesus, encontramos Deus.
Quando nos reunimos em nome do Senhor e partilhamos o Pão fazemos parte do mesmo Corpo Místico e nos tornamos fundidos numa única espécie. Essa formação se presta para que o Amor de Deus aja através de nós para servirmos a todos nossos irmãos. O aspecto social do Amor de Deus se configura desde o momento no qual comungando o mesmo corpo nos tornamos transmissores do amor que recebemos e temos a obrigação de comunicar. Se não somos capazes de transmitir ao próximo essa corrente através da concretização desse Amor fragmentamos o Corpo Místico e destacamos o egoísmo que se antepõem ao Amor que só se torna possível quando partilhamos o que recebemos.
Entendo que a ação da Igreja Evangelizadora deve ser a de ensinar a doutrina do Amor de Deus compartilhado com o próximo através da concretização dessa caridade, sem a qual nada adiantará. Ainda que falasse a língua dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, de nada adiantará a fé, exorta-nos São Paulo.
Portanto a fé deve transformar-se em ação do crente em favor do próximo para ajudar a mudar a realidade de sofrimento daqueles que mais necessitam da ação da Igreja que milita em favor da caridade.