O afeto entre enteados e padrastos.
SIRO DARLAN – DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

As histórias infantis reservam para padrastos e madrastas um papel de vilão que não corresponde à realidade. O afeto existente entre enteados e padrastos tem demonstrado que essas histórias precisam ser reescritas. A mais recente conquista é a possibilidade de inclusão do nome do padrasto ou da madrasta como decorrência do afeto nos assentos do registro civil do enteado ou enteada.
Esse direito, agora assegurado pela Lei 11.294/09, é o reconhecimento do afeto como valor jurídico, uma vez que sendo o nome um direito personalíssimo que serve como meio de identificação da pessoa, significa que a permissão para sua alteração implica em alterar a sua própria essência. E é decorrência direta do reconhecimento do afeto existente entre o enteado e o padrasto que opta por colocar em seu próprio nome a identificação daquele com que convive e de quem guarda um reconhecido afeto.
Escolhendo o uso do patronímico do padrasto o enteado está materializando o compromisso da paternidade que de fato existe entre ambos. Há uma eleição baseada no convívio que forja o caráter das pessoas que convivem daquele que é o verdadeiro pai.
Esta possibilidade só é possível porque há um princípio regente de toda a legislação inscrita no artigo 1º da Carta Magna que o da dignidade da pessoa humana e da valorização do afeto familiar como base da sociedade brasileira. É razoável que o enteado possa inserir em seu nome o patronímico daquele que considera como “pai” ou “mãe”.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores já demonstra sensibilidade especial no sentido do reconhecimento desse direito como no voto oportuno da eminente Ministra Nancy Andrighi, em sede do Recurso Especial 1069864 (publicado no DJE 03/02/2009):
“Não há como negar a uma criança o direito de ter alterado seu registro de nascimento para que dele conste o mais fiel retrato da sua identidade, sem descurar que uma das expressões concretas do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é justamente ter direito ao nome, nele compreendido o prenome e patronímico”.
Como corolário da representação da socioafetividade aliada ao cuidado no universo do Direito, acrescente-se que não será preciso que o enteado tenha relação prejudicada com seus genitores biológicos para a inclusão do nome do padrasto ou da madrasta, uma vez que a inclusão do patronímico apenas refletirá a afinidade com os mesmos, podendo inclusive ser mantidos os nomes de família originários.
As relações familiares modernas tem-se apresentado das formas mais variadas, e diante da amplitude permitida pelo texto constitucional para o conceito de entidade familiar destaca-se a referência de Fachin que afirmou que “O liame genético (embora fundamental) por si só pode não explicar a base real das relações paterno-filiais. Um filho escreveu o Prof. João Baptista Villela, “tem que ser mais alguma coisa ao invés de ser simplesmente filho”.
Consoante se depreende do texto, a lei 11.924/09 inseriu o §8º no artigo 57 da Lei dos Registros Públicos:
“§ 8º O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.”
O legislador estabeleceu, portanto, cinco pressupostos legalmente para se obter o direito a inclusão do nome de família dos padrastos ou madrastas em seu nome de família:
1. Que haja um requerimento judicial ao juiz competente – a inclusão do nome só poderá se operar mediante autorização judicial. Caberá ao magistrado, no caso concreto, tomando por base o atual conceito de família, avaliar acerca do cabimento da alteração nominal.
2. Que haja expressa concordância do padrasto ou madrasta – o patronímico só poderá ser incluído no nome do enteado se houver expressa concordância dos interessados. Como se vê a inclusão do nome de família decore justamente do reconhecimento do valor jurídico conferido ao afeto, além de que ambas as partes envolvidas deverão estar de acordo. O sentimento de amor há que ser bilateral.
3. A lei autoriza a manutenção dos apelidos de família com a inclusão do patronímio do padrasto ou da madrasta. O nome original será mantido, havendo apenas um acréscimo. Os vínculos originários de filiação não são prejudicados, com essa alteração.

4. O prazo legal exigido da convivência familiar é de cinco anos. Esse prazo decorre de uma interpretação analógica que fixa o mesmo prazo para a averbação do registro de nascimento de conviventes e pessoas casadas e divorciadas.
5. O legislador impôs ainda um requisito de ordem subjetiva que é o motivo ponderável a ser analisado sob o prudente arbítrio do juiz. Dessa forma enfatiza-se mais uma vez que esse motivo ponderável seria a existência do afeto existente entre os interessados.
A possibilidade de inclusão do nome de família do padrasto ou da madrasta por parte do enteado insere-se na lógica da parentalidade socioafetiva. O pressuposto é que haja amor entre os interessados e que esse sentimento adquire um valor jurídico quando visualizada sua existência envolvendo pais e aquele que é tratado como se filho fosse independente do liame sanguíneo e serve para produzir efeitos sobre a efetiva existência de uma relação paterno/filial entre tais pessoas.
O afeto ocupa lugar de destaque nesse novo sistema de filiação, tal como ocorre na adoção e em outras uniões pautadas na socioafetividade.