Esporte e violência.
Siro Darlan, DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO E COORDENADOR RIO DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA.

A Copa do Mundo no Brasil começou com uma festa da FIFA reproduzindo o Brasil que ela, FIFA, acha que conhece. Para tanto designou uma equipe belga para falar sobre a cultura brasileira. Os interesses da FIFA são insondáveis porque a festa foi um fiasco e ficamos com essa conta como se não tivéssemos nada mais interessante para mostrar. Com tantos mestres acostumados a fazer festas muito mais lindas no Amazonas, no Nordeste, na Bahia, e no maior espetáculo da Terra, o carnaval do Rio de Janeiro, a FIFA, que tudo está decidindo a seu bel prazer, nos mostrou ao mundo numa pobreza colegial.
O jogo de abertura comprovou que a festa não do povo brasileiro. Mais parecia um estádio europeu, onde não havia sequer a torcida do Corinthians, dono do estádio, e muito menos nossa multirracial população. Apenas a elite rica e branca teve acesso aos preços padrão FIFA inaccessíveis aos trabalhadores brasileiros. Essa elite demonstrou toda sua “educação” vaiando a maior mandatária do país perante a plateia mundial.
Dizem que a Copa de 2014 nos deixará um grande legado. Se for o da estreia é melhor dispensar. Nossa educação, embora pobre e desprezada pelo poder público é infinitamente superior a amostra inicial. Isso ficou demonstrado nas pesquisas realizadas: os maiores elogios dos turistas vieram para os brasileiros por sua hospitalidade e alegria na recepção aos que nos visitam. As críticas, claro, coincidem com as nossas e pelas quais lutando nos logradouros públicos, apesar da forte opressão policial.
A Copa do Mundo é um momento de grande expectativa e agitação porque os olhos do mundo estão voltados para nosso país. Mas é também motivo de muitos atos violentos de torcedores apaixonados que confundem a paixão pelo esporte com violência contra os que são e pensam diferentes. As brigas entre torcedores organizados tem sido recorrentes e a violência tem levado a muitos óbitos.
O psicólogo Roberto Romeiro Hryniewicz afirmou em sua pesquisa de mestrado que “Não é a paixão pelo futebol que causa a violência entre torcedores, mas sim a maneira como as pessoas lidam com essa paixão”. Segundo ele: “Paixão pelo futebol é esse sentimento que parece justificar os gritos e pancadarias nas torcidas. Se na Copa do Mundo o país se reúne para torcer pela nação, o cotidiano do futebol não representa tanta união. A lista de torcedores mortos em jogos é extensa.”.

A violência no esporte é uma das faces da violência cotidiana na sociedade. Se o esporte já serviu a ditadores e a ditaduras, também pode nos oferecer grandes lições de solidariedade, como o caso da “democracia corinthiana”. Por outro lado, o discurso de que temos de “vencer na vida” a todo custo também se desloca para os campos de futebol. Ora, “senão vencemos no trabalho, pelo menos nosso time tem que vencer!” “Se nossa nação é tão desigual, pelo menos a Copa ela precisa vencer.”.
Cabe termos essa reflexão, mas por óbvio, não deixaremos de torcer, tanto pelos nossos times, quanto por mudanças. E não deixar que esse circo esportivo nos inebrie tanto que nos tire da realidade que enfrentaremos em ano eleitoral, tão logo as cortinas sejam baixadas.