A dignidade humana encarcerada.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.

 

Tenho visitado os presídios do Rio de Janeiro, onde quase 38 mil presos cumprem as penas aplicadas pelo judiciário. Muitos ainda não foram sentenciados, mas já estão privados de liberdade. Os dados apontam que quase 40% dos que ainda não foram sentenciados recebem penas menores de quatro anos tem a privação substituída por penas alternativas em liberdade ou são absolvidos. Muitos são portadores de doenças graves dentre elas a tuberculose que tem crescido como uma epidemia.

Práticas boas têm sido inseminadas no sistema judiciário nos últimos anos, como a implantação das escolas nos presídios, destacando-se a dedicação e entusiasmo dos professores que se dedicam à libertação através da cultura e alfabetização de muitos. O trabalho em algumas unidades tem sido estimulado com pagamento de salários e remição das penas, com destaque para a Colônia Agrícola de Magé, um exemplo a ser seguido.

Mas o grande problema, além das condições desrespeitosas à dignidade de qualquer ser humano é o desrespeito aos prazos de cumprimento das penas e a falta de atendimento aos benefícios legais. Encontrei numa penitenciária uma defensora pública cercada por internos que imploravam pelo respeito a seu direito à liberdade. Indaguei qual era o problema e ela com pouca esperança afirmou que sua parte era cumprida e os benefícios eram solicitados e bem instruídos, mas a lentidão da Vara de Execução Penal não permitia uma resposta rápida.

Esse problema é previsível diante da falta de prioridade dado pela administração do Tribunal de Justiça a uma área tão sensível que lida com o direito á liberdade das pessoas. Um único Juízo com um juiz titular e três ou quatro auxiliares e um número insuficiente de servidores é incapaz de dar conta da supervisão do cumprimento das penas de 38 mil sentenciados.

Por essa razão o Conselho Nacional de Justiça recomenda a realização periódica de mutirões com a finalidade de atender a essa justa demanda. Na última realizada ocorreu um episódio típico da falta de compromisso e profissionalismo de alguns agentes responsáveis por essa prestação jurisdicional. Entre os dias 17 e 18 de março foi realizado o Mutirão carcerário com a presença de juízes, servidores. Advogados e defensores públicos em local nobre do Tribunal de Justiça, o 10º andar, onde fica sediado o Gabinete da Presidência, mas os promotores de justiça alegando “falhas prejudiciais ao desempenho da atividade ministerial”, “se retirou das dependências a ele reservadas no mutirão carcerário, dificultando o envio dos processos à sua derradeira manifestação”.

Incrível essa falta de profissionalismo que implicou em prejuízo a vários detentos com benefícios e penas já cumpridos e, consequentemente, a propositura de inúmeros recursos no Tribunal, com graves prejuízos à prestação jurisdicional. Ora se essa atividade fiscalizatória estivesse sendo realizada com a eficiência desejada, não haveria tantas penas e benefícios vencidos e nem mesmo necessidade dos reiterados mutirões carcerários recomendados pelas autoridades administrativas como o CNJ e o CNMP.