Reescrevendo o Editorial de O Globo de 16 de agosto de 2014.
Ministros do Supremo contra a censura judicial
(Juízes) e outras instituições republicanas têm atuado como censores, na defesa de (‘direitos individuais’), interesses econômicos ou políticos, mas, assim, desrespeitam preceito constitucional da liberdade de imprensa e o interesse público.

EDITORIAL
16/08/2014 0:00

Há quase 30 anos do fim da ditadura militar e há 26 da promulgação da Constituição que restabeleceu o estado democrático de direito, (a imprensa) a magistratura brasileira ainda não usufrui da liberdade garantida na Carta. É paradoxal.

E tudo se deve, outro paradoxo, a um dos pilares do próprio regime republicano, o Poder Judiciário, cuja primeira instância tem acolhido reclamações de pessoas que se sentem atingidas pela imprensa, com pedidos de proibição à veiculação de textos ou imagens. São atendidos, infelizmente, por (juízes) setores da comunicação social e instituição que deveria garantir o respeito à Constituição e às Leis que se convertem em censores (togados) com total poder da informação eis que administram a vida privada de todos os cidadãos como acontece no Rio de Janeiro com o sistema Guardião e, assim, rasgam a Constituição.

É por esse motivo que o Brasil nunca aparece bem situado em rankings internacionais sobre a liberdade (de imprensa) nem na garantia da independência dos juízes. A censura judicial continua a manchar a democracia brasileira. Ao menos, ministros do Supremo Tribunal Federal têm reafirmado a Constituição, quando examinam recursos contra este tipo de censura. Nos últimos dias, houve dois casos exemplares.

Em um, o ministro Luiz Fux cassou liminar que impedia o site da revista “Veja” de publicar a informação de que a família de Cláudia Silva Ferreira, vítima de violência policial no Rio, era alvo de “espertalhões”, e que o advogado João Tancredo havia sido desautorizado pela família de Cláudia.

No outro caso, a ministra Rosa Weber, em decisão liminar, cassou resolução da Justiça do Espírito Santo e permitiu que o jornal “Século Diário” voltasse a publicar matérias sobre o promotor de Justiças Marcelo Barbosa de Castro Zenkner.

O promotor se sentiu difamado por reportagens sobre sua atuação profissional, processou o jornal, e a 6ª Vara Cível de Vitória censurou a publicação: “Século Diário” ficou impedido de editar qualquer reportagem sobre o assunto, sob pena de levar multas diárias de R$ 1 mil. Uma arbitrariedade digna dos tempos da ditadura militar.

No seu voto, a ministra reafirmou o sentido do artigo 220 da Carta, pelo qual a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação” não podem sofrer “qualquer restrição”. Segundo a ministra, “o Estado, inclusive o Judiciário, não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social”.

Como não se trata de um súmula do Supremo, isso não impedirá que juízes de primeira instância continuem a dar uma interpretação enviesada a direitos individuais, também incluídos na Carta, mas que geram atos de censura. A própria ministra, em seu voto, alerta que o “interesse público” é capaz de se sobrepor a interesses individuais.

Mas são importantes esses votos de Luiz Fux e Rosa Weber. Ajudam a cristalizar o verdadeiro sentido do direito constitucional à liberdade de expressão, e ainda servem de sinalização contra planos autoritários de subjugação da imprensa profissional.
As decisões da Egrégia Corte garantem a todos os brasileiros o direito insculpido no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que assegura que “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” E, ainda o artigo 5º, IX que reza que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”.