Corrigir carinhosamente.
siro (1)Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e Coordenador Rio da Associação Juízes para a democracia.

A moda da criminalização de todas as relações tomou conta dos debates sociais. Não bastassem os presídios lotados e as escolas violadas, grande parte da sociedade clama por mais violência. Parece que algumas pessoas se alimentam de violência que gera violência. Interessante a passagem do Evangelho de Matheus, 18 – 15,20 que nos exorta à correção fraterna ensinando que devemos recorrer a condutas conciliatórias diante dos desvios de conduta de nosso irmão, antes de condená-lo, antes de excluí-lo de nosso convívio.
1Somos uma sociedade de maioria cristã, e mesmo os que não são têm uma reconhecida vocação para a solidariedade. Contudo temos um procedimento criminalizador com relação às nossos relacionamentos familiares e sociais. É crime o racismo, é crime a violência de gênero, é crime a intolerância religiosa, pretende-se criminalizar a homofobia e outras relações humanas condenáveis sob o ponto de vista ético, moral e social. Trata-se de uma contradição entre o que louvamos na Palavra e a construção de nossas relações fraternas.
Já temos a experiência fracassada do proibicionismo daqueles que fazem uso de drogas convencionadas ilícitas, enquanto agimos com condescendência com os que fazem uso das lícitas. Hoje a falta do diálogo e da mediação dos conflitos relacionais tem aberto fossos quase intransponíveis para a reconciliação das pessoas que erraram umas com as outras. Os Tribunais têm contribuído para essa cisão entre irmãos quando proíbem que o casal que se agrediu busque uma nova chance com base no respeito mútuo. A Lei Maria da Penha com seu objetivo louvável de coibir a violência contra a mulher tem sido radicalmente aplicada quando proíbe a reconciliação que é o desiderato de toda pena aplicada. A reconciliação do agressor com o agredido e com a sociedade.
O proibicionismo que pune como criminoso aquele que precisa de tratamento para se reconciliar consigo mesmo, com seus familiares e com a própria sociedade, ao excluí-lo nas masmorras sem o tratamento adequado, está agravando a doença e obrigando-o a continuar na criminalidade, que é o caminho de todo aquele que é marginalizado. Mesmo quando rezamos e batemos no peito nos apresentando nos templos como cristãos ou religiosos, ao defendermos as práticas excludentes, estamos sendo contraditórios. Pois a palavra ensina o caminho da reconciliação, que certamente não é condizente com o processo de exclusão dos que defendem, por exemplo, a redução da responsabilidade penal.
Ora se há uma proposta constitucional de proteção à infância e à juventude que não é respeitada, é uma verdadeira covardia não dar às crianças brasileiras o que lhes é de direito e, ainda, desejar uma exclusão ainda maior quando se reivindica uma privação de liberdade mais precoce. É mais fácil aprisionar precocemente crianças e adolescentes do que cobrar do administrador público por sua omissão na garantia dos direitos fundamentais das crianças, pessoas em processo de desenvolvimento. Mas, certamente essa não é a melhor forma de combater a violência.