O carnaval eleitoral.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.

Estamos em plena campanha eleitoral quando a mensagem é que se está em plena democracia porque o povo escolhe seus representantes. Será essa frase uma verdade? Certamente que não. Estamos vendo mais uma campanha eleitoral onde prevalece o poder de fogo da maioria elitista que impõe as regras para manter tudo com dantes. O horário eleitoral tem tamanhos diferentes o acesso à mídia é um privilégio dos poderosos. E, após eleitos, como sói acontece, o povo já não servirá pra nada. Terá cumprido o seu papel de eleger: os mesmos.

Isso também não é novidade. Rousseau já escreveu em sua obra Do contrato social, sobre as eleições na Inglaterra: “O povo inglês acredita ser livre e muito se engana. Ele é livre apenas durante a eleição dos Membros do Parlamento. Assim que os membros são eleitos, o povo inglês faz um uso tal da liberdade que merece perdê-la”. Esse é um estado totalitário cujas regras mantem o povo submisso durante quatro anos aos tiranos que o próprio povo foi levado a “escolher”. Para isso estão aí as regras de propaganda eleitoral e as pesquisas pagas pelos partidos e pela mídia dominante para resguardar seus interesses.

Como reagir a essa violência que nos abate a cada quatro anos? Os gritos de julho de 2013 foram abafados e não tiveram qualquer repercussão nos debates promovidos. Não se fala mais em transportes desqualificados, corrupção que adoece a saúde, nem a escravidão pela ignorância ante o sucateamento da educação. Os candidatos chamados nanicos, que muitas vezes têm um conteúdo programático inovador, não têm chance de expor suas ideias, que por serem novas são vetadas pelo conservadorismo dominante.

Assim ficam vetadas as discussões que possam proporcionar uma melhor condição de vida ao povo trabalhador, uma polícia mais civilizada e que respeite os direitos dos cidadãos (cidadãos só em época de eleições), um debate sério sobre o direito à vida e a dignidade das pessoas. Os candidatos que tentam colocar esses temas são ridicularizados, chamados utopistas, sonhadores, fora da realidade.

As escolas continuam sendo violentadas pela desvalorização dos professores, elementos perigosos, pois podem tirar o povo da ignorância, os hospitais servem às causas da “higienização da sociedade” porque matam os indesejados, e as prisões continuam sendo o lugar dos indesejados de sempre. A Princesa Isabel morreu pensando ter libertados os escravos que a sociedade moderna insiste em mandar para o pelourinho do sistema penitenciário.

Após o cinco de outubro, aos vencedores as batatas, os empreiteiros e banqueiros que financiam as campanhas dos vitoriosos de sempre comemorarão, as empresas de comunicação que detém o monopólio cobrarão com bônus o apoio aos vencedores e as crianças continuarão nas ruas, sem creches e sem escolas, os doentes sem hospital, os sem teto sem política habitacional, mas as ruas não ficarão cheias porque os Xerifes da ordem pública cuidarão de expulsá-los, a polícia cumprirá seu papel de manter a “ordem” imposta pelos poderosos, e o povo? O povo, após o carnaval eleitoral despirá sua fantasia de Rei Momo Povo e voltará a ocupar seu lugar de insignificância até daqui a quatro anos, quando as favelas voltarão a ser visitadas, a zona oeste e o interior voltará a ouvir as velhas promessas e a “democracia” terá novamente seu espaço. Mas durante os próximos quatro anos nenhuma criança será beijada, nenhuma prestação de contas será feita e nenhuma comunidade visitada.