AÇAO ORIGINÁRIA 0229018-26.2013.8.19.0001

Impetrante (Advogado) : MARINO D’ICARAHY JUNIOR (Ativo)

Impetrante (Advogado) : RAONI DO CEO BRASIL (Ativo)

Impetrante (Advogado) : CARLOS EDUARDO CUNHA M. SILVA (Ativo)

Impetrante (Advogado) : ÍTALO PIRES AGUIAR (Ativo)

PACIENTE : ELISA DE QUADROS PINTO SANZI

PACIENTE : IGOR MENDES DA SILVA

PACIENTE : KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO

AUTORIDADE COATORA: 27ª VARA CRIMINAL – CAPITAL

 

ACÓRDÃO

 

HABEAS CORPUS.  ASSOCIAÇÃO ARMADA. Decretação Da prisão preventiva em razão do descumprimento das medidas cautelares impostas no Habeas Corpus 0035621-68.2014.8.19.0000 julgado por esta Câmara aos 12/08/2014, que determinou aos ora pacientes, dentre outras, a proibição de frequentar manifestações ou protestos. cabe relembrar que os ora pacientes e outros corréus foram denunciados pela suposta prática do crime previsto no art. 288, § único, do CP (quadrilha armada), tendo em vista os atos de vandalismos que ocorreram nas manifestações no Estado do Rio de Janeiro, onde alguns indivíduos se associaram de forma estável e permanente para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais. verifica-se dos autos é que houve a conversão das medidas cautelares em prisão preventiva pelo fato de os ora pacientes terem participado de um suposto protesto no dia 15/10/2014 na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, descumprindo, assim, a medida cautelar que proíbe a participação em manifestações e protestos. O i. magistrado afirmou nas informações, como já dito, que uma das medidas cautelares impostas aos pacientes no acórdão relativo ao Habeas Corpus 0035621-68.2014.19.000 é a proibição de frequentar manifestações ou protestos, não importando se a manifestação é pacífica ou não. A i. Procuradoria de Justiça afirmou que a proibição de frequentar manifestações ou protestos estipulada no acórdão foi ampla, não especificando se seriam pacíficas ou não. Consignou, ainda, que: “Embora o acontecimento do dia 15/10/2014 possa ter transcorrido de forma pacífica e sem episódios de violência, as fotografias anexadas à petição inicial deste writ deixam bastante nítida a presença de faixas e letreiros de conteúdo político.(…)O orgulho demonstrado pelos participantes do evento denominado como “cultural”, deixa claro, dentre os atos praticados pelo grupo organizado, comemoravam o que, por certo, foi um dos mais repudiados pela população ordeira”.Fato incontroverso é que os pacientes de acordo com o acórdão mencionado não poderiam frequentar manifestações ou protestos, de acordo com o inciso II do art. 319 do CPP. Tal dispositivo legal explicita como medida cautelar a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. Dessa forma, toda medida cautelar está diretamente vinculada a uma determinada situação fática que ensejou a sua decretação. Compulsando todo o conjunto probatório, especialmente as fotos acostadas pela defesa e pela polícia, bem como a mídia, não resta dúvida, como bem salientou a Procuradoria de Justiça, de que o acontecimento de 15/10/2014 transcorreu de forma pacífica e sem episódios de violência, independente da presença de faixas e letreiros de conteúdo político no movimento cultural. Dessa sorte, independentemente de o acórdão não dispor expressamente que a proibição frequentar manifestações ou protestos era apenas de atos não pacíficos e políticos, o texto legal é claro ao mencionar que a PROIBIÇÃO ESTÁ RELACIONADA AO FATO e, sem a menor dúvida, o evento cultural no qual compareceram os pacientes tranScorreu de forma pacífica, sem atos de vandalismo e violência. Assim, a presença dos mesmos no evento cultural não tem nenhuma relação aos fatos pelos quais foram denunciados por associação armada, isto é, pela associação de forma estável e permanente para planejar ações criminosas, com a suposta prática de atos de vandalismos que ocorreram nas manifestações no Estado do Rio de Janeiro. Não se pode olvidar que qualquer dúvida acerca da natureza do evento deve ser interpretada em favor do réu, sendo certo que não há comprovação nos autos de que os mesmos tenham se manifestado no evento cultural realizado no dia do professor e que eventual manifestação tenha relação com o fato. Assim, entendo que a presença em ato cultural é parte da vida cidadã e não pode ser compreendida como participação no ato, que não visava protesto. Ademais, a possibilidade de grave dano à liberdade dos pacientes é latente, decorrente de possível equívoco na interpretação das restrições que lhe foram impostas, posto que não devidamente esclarecido no HC 0035621-68.2014.8.19.000 a amplitude da medida. Com efeito, em que pese ter faltado clareza nos limites da restrição imposta, que poderia ter sido questionada por meio dos embargos de declaração, qualquer iNTERpretação acerca da amplitude da restrição deve ser sempre favorável ao réu, como princípio de direito, sendo certo que qualquer falha ou dúvida não há de propiciar dano à liberdade, segundo mais precioso bem da vida protegido pela ordem jurídica; o primeiro é a própria vida. Como bem leciona o mestre Guilherme de Souza Nucci na sua obra Prisão e Liberdade: “… Outro ponto positivo da nova lei é apresentar a prisão preventiva como ultima ratio (última opção), primando pelo respeito aos direitos e garantias individuais, de acordo com o princípio penal da intervenção mínima. Eis mais um contato entre princípios penais e processuais penais: a prisão preventiva, tanto quanto a lei incriminadora, passa a ter conotação de subsidiariedade …”(2ª tiragem, página 32) A medida extrema e excepcional da prisão preventiva parece desproporcional à conduta dos pacientes. CONCESSÃO DA ORDEM, para revogar a prisão preventiva e restabelecer as medidas impostas anteriormente no Habeas Corpus nº 0035621-68.2014.8.19.0000, determinando ao MM Juízo a quo que nova advertência seja feita aos pacientes especificamente quanto à imposição da medida cautelar prevista no art. 319, II do CPP, devendo neste ato ser esclarecido que a “proibição de frequentar manifestações ou protestos” diz respeito àquelas organizadas para a prática de atos de violência e confronto armado com as forças de segurança e relacionadas aos fatos delituosos pelos quais foram denunciados.

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpusnº 0065243-95.2014.8.19.0000, em que figura como Impetrantes, Dr. MARINO DE ICARAHY JUNIOR e OUTROS, Pacientes ELISA DE QUADROS PINTO SANZI, IGOR MENDES DA SILVA e KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO e Autoridade Coatora, O MM JUÍZO DE DIREITO DA 27ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL,

 

ACORDAM os Desembargadores que compõem a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conceder a ordem para revogar a prisão preventiva e restabelecer as medidas impostas anteriormente através do Habeas Corpus nº 0035621-68.2014.8.19.0000, determinando ao MM Juízo a quo que nova advertência seja feita aos pacientes especificamente quanto à imposição da medida cautelar prevista no art. 319, II do CPP, devendo neste ato ser esclarecido que a “proibição de frequentar manifestações ou protestos” diz respeito àquelas organizadas para a prática de atos de violência e confronto armado com as forças de segurança e relacionadas aos fatos delituosos pelos quais foram denunciados.

O advogado Dr. MARINO DE ICARAHY JUNIOR e outros impetraram ordem de Habeas Corpusem favor de ELISA DE QUADROS PINTO SANZI, IGOR MENDES DA SILVA e KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, apontando como autoridade coatora o MM JUÍZO DE DIREITO DA 27ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL.

 

Na respectiva peça de impetração, sustentam os impetrantes, em síntese, que os pacientes estariam sofrendo constrangimento ilegal por parte da autoridade apontada como coatora que decretou a prisão preventiva em razão do descumprimento das medidas cautelares impostas no Habeas Corpus 0035621-68.2014.8.19.0000 julgado por esta Câmara aos 12/08/2014, que determinou aos ora pacientes, dentre outras, a proibição de frequentar manifestações ou protestos.

 

Narram os impetrantes que os pacientes foram denunciados pelo cometimento, em tese, do crime previsto no art. 288, parágrafo único, do CPP, tendo-lhes sido decretada a prisão preventiva.

 

Sustentam os impetrantes que os pacientes participaram de um encontro cultural e pacífico organizado pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação – SEPE/RJ, no último dia 15 de outubro nas proximidades da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, tendo, entretanto, o juiz ignorado o caráter inteiramente pacífico da manifestação e decidido que houve descumprimento das medidas cautelares e suposta ameaça à ordem pública.

 

Salientou que apesar de tal evento ter se dado em memória aos acontecimentos da mesma data do ano anterior, o evento foi organizado com vistas a promover atividades culturais como palestras e oficinas, tendo sido ampla e previamente divulgado dessa forma.

 

Acrescentam que, embora o evento tenha ocorrido no dia 15/10/2014, um ano após o movimento ‘Ocupa Câmara’, desta vez não houve qualquer emprego de violência, de sorte que os pacientes não podem ser considerados uma ameaça à ordem pública.

 

Cumpre mencionar que a defesa anexou um vídeo publicado há meses no site youtube, com a finalidade de deixar claro a natureza do evento, com uma entrevista com o Professor Eduardo Viveiros de Castro, informando que este compareceu ao evento para dar aula, ao ar livre, a respeito dos direitos constitucionais dos índios, conforme declaração em anexo, publicada pelo mesmo por meio do “Facebook”.

 

Os impetrantes também anexaram outras fotos do evento, onde se vê indígenas expondo seus artesanatos, crianças brincando e pessoas confraternizando.

 

Ressaltaram os impetrantes que os pacientes não foram devidamente intimados para se manifestarem acerca do requerimento da decretação da prisão preventiva formulado pelo parquet, consoante prevê o art. 282, § 3º, do Código de Processo Penal.

 

Ainda, asseveraram que a situação de urgência para a decretação da prisão preventiva não se configurou, pois há AIJ designada para esta data (16/12/2014).

 

Requerem, liminarmente, que seja concedida a ordem de habeas corpus para determinar a soltura dos pacientes presos e a expedição de salvo conduto para aqueles que se encontram eventualmente soltos e, no mérito, a convalidação da liminar.

 

A inicial veio acompanhada de documentos, conforme se verifica do Anexo 01.

 

Solicitadas as informações, as mesmas foram apresentadas na pasta eletrônica 27.

 

A d. Procuradoria de Justiça opinou pela denegação da ordem (pasta eletrônica 51), argumentando a desnecessidade de intimação dos acusados para a decretação da prisão preventiva e, também, que houve descumprimento da vedação imposta no acórdão.

 

É o relatório, passando-se à fundamentação.

 

O presente Habeas Corpus objetiva a revogação da prisão preventiva decretada em razão do descumprimento das medidas cautelares anteriormente impostas.

 

Nos termos do artigo 5º, LXVIII da Constituição da República,

 

“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

 

Desde logo cabe relembrar que os ora pacientes e outros corréus foram denunciados pela suposta prática do crime previsto no art. 288, § único, do CP (quadrilha armada), tendo em vista os atos de vandalismos que ocorreram nas manifestações no Estado do Rio de Janeiro, onde alguns indivíduos se associaram de forma estável e permanente para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais.

 

No julgamento do Habeas Corpus 0035621-68.2014.8.19.0000 realizado aos 12/08/2014, esta Câmara, por unanimidade, revogou a prisão preventiva anteriormente decretada em desfavor dos pacientes e seus corréus e aplicou medidas cautelares previstas nos incisos I, II e IV do art. 319 e no art. 320, ambos do CPP, quais sejam, de: 01) obrigação de comparecer mensalmente ao juízo processante, nas condições fixadas pelo mesmo, para informar e justificar atividades; 02) proibição de frequentar manifestações ou protestos;03) proibição de ausentar-se da Comarca ou do País, sem previa autorização judicial: 04) entrega do passaporte no prazo de 24 horas; e 05) assinar termo de comparecimento a todos os atos do processo, cientificados de que o descumprimento de qualquer das medidas, acarretará imediata revogação e decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 282, § 4º do CPP(…)”.

 

A autoridade apontada como coatora esclareceu nas informações que:

 

“A Polícia Civil, através das informações e imagens de fls. 4.423/4.432 (cópias em anexo), relatou a este juízo sobre a manifestação ocorrida no dia 15/10/2014 nas escadarias da Câmara Municipal do Rio de Janeiro – que foi realizada em memória do confronto ocorrido entre manifestantes e professores da rede pública e policiais militares, durante o movimento denominado “Ocupa Câmara”, em 15/10/2013, consoante se pode constatar à fl. 4.423, urgindo ressaltar que na aludida folha há, ainda, uma foto em que se vê uma faixa com os dizeres “OCUPA Câmara rio 15/10 – não esqueceremos”, em que estavam presentes os pacientes elisa de quadros pinto sanzi, igor mendes da silva E karlayne moraes da silva pinheiro.

 

Cumpre salientar que uma das medidas cautelares impostas aos pacientes no acórdão relativo ao Habeas Corpus n° 0035621-68.2014.19.000 é a proibição de frequentar manifestações ou protestos, não importando se a manifestação é pacífica ou não, pois o que se busca com a aplicação de tal medida cautelar, salvo melhor juízo, é justamente evitar a criação de condições favoráveis para que os pacientes pratiquem delitos da mesma natureza daquele que está sendo imputado a eles na denúncia”.

 

Dessa sorte, foi decretada a prisão dos ora pacientes aos 02/12/2014 que assim se encontra fundamentada:

 

“Trata-se de peças de informação extraídas dos autos do inquérito policial n° 218-010 15/2014 (vide fls. 4.423/4.432), que relatam o descumprimento por parte dos réus ELISA DE QUADROS PINTO SANZI, vulgo “Sininho”, IGOR MENDES DA SILVA e KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, vulgo “Moa”, de uma das medidas cautelas impostas no habeas corpus no 0035621-68.2014.8.19.0000, qual seja, a proibição de frequentar manifestações ou protestos (vide acórdão de fls. 4.433/4.450).

 

Assiste inteira razão ao Ministério Público em sua promoção de fls. 4.455/4.456.

 

ELISA DE QUADROS PINTO SANZI, vulgo “Sininho”, IGOR MENDES DA SILVA e KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, vulgo “Moa”, foram beneficiados com a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, contidas no art. 319 do Código de Processo Penal.

 

Ocorre que, conforme comprovam as informações e imagens de fls. 4.423/4.432, os supracitados réus participaram de um protesto realizado em 15/10/2014 na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, descumprindo, assim, a medida cautelar que proíbe a participação em manifestações e protestos.

 

O descumprimento de uma das medidas cautelares impostas aos réus em substituição à prisão demonstra que a aplicação das referidas medidas cautelares se mostra insuficiente e inadequada para garantia da ordem pública, tendo em vista que os acusados insistem em encontrar os mesmos estímulos para a prática de atos da mesma natureza daqueles que estão proibidos.

 

Assim, verifico ainda que está presente 1 (uma) das hipóteses, previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, que autorizam a decretação da prisão preventiva, qual seja: a garantia da ordem pública.

 

ISTO POSTO, em virtude do descumprimento de uma das medidas cautelares impostas aos réus, qual seja, proibição de frequentar manifestações ou protestos, e para garantia da ordem pública,decreto a prisão preventiva dos acusados ELISA DE QUADROS PINTO SANZI, vulgo “Sininho”, IGOR MENDES DA SILVA e KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, vulgo “Moa”, com espeque nos arts. 282, § 4°, e 312, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal.

 

Expeçam-se mandados de prisão em desfavor dos réus ELISA DE QUADROS PINTO SANZI, vulgo “Sininho”, IGOR MENDES DA SILVA e KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, vulgo “Moa”. (meus grifos)

 

Essa é a decisão hostilizada.

 

Primeiramente, cabe desde logo rechaçar a tese defensiva de necessidade da intimação dos ora pacientes acerca do requerimento para a decretação da prisão preventiva formulado pelo parquet, consoante prevê o art. 282, § 3º, do Código de Processo Penal.

 

Ora, não há necessidade de intimação dos acusados para a conversão da medida cautelar em prisão preventiva em virtude do descumprimento das medidas impostas.

 

O § 3º do art. 282 do CPP dispõe que ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

 

Tal dispositivo diz respeito à decretação da medida substitutiva da prisão e não da conversão em prisão preventiva pelo descumprimento das medidas cautelares.

 

Veja a propósito julgado do STJ no mesmo sentido:

 

HC 255621 / AM

HABEAS CORPUS

2012/0205838-2

Relator(a)

Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)

Órgão Julgador

T5 – QUINTA TURMA

Data do Julgamento

12/03/2013

Data da Publicação/Fonte

DJe 18/03/2013

Ementa

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. MEDIDA IMPRESCINDÍVEL À SUA OTIMIZAÇÃO. EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO DE IR, VIR E FICAR. 2. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL POSTERIOR À IMPETRAÇÃO DO PRESENTE WRIT. EXAME QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 3. CONTRABANDO DE CIGARROS, LAVAGEM DE DINHEIRO E FALSIFICAÇÃO DE SELO DE IPI. 4. PRISÃO PREVENTIVA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE E FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR ANTERIORMENTE IMPOSTA. 5. INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU. DESNECESSIDADE 6. OMISSÃO NO ACÓRDÃO IMPUGNADO QUANTO A QUESTÃO DA PRESERVAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 7. ORDEM NÃO CONHECIDA.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Louvando o entendimento de que o Direito é dinâmico, sendo que a definição do alcance de institutos previstos na Constituição Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as mudanças de relevo que se verificam na tábua de valores sociais, esta Corte passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a eficácia de remédio constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.

2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, considerando que a modificação da jurisprudência firmou-se após a impetração do presente habeas corpus, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no afã de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente, a ser sanada mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

3. As instâncias ordinárias apresentaram fundamentação idônea para a decretação da prisão cautelar. Portanto, como medida tendente a preservar a ordem pública e a assegurar a instrução criminal, faz-se necessária a custódia preventiva diante da inadequação de outras medidas cautelares diversas da prisão para o resguardo da ordem social.

4. A análise dos fundamentos indicados pelas instâncias ordinárias a fim de justificar a segregação preventiva deve ser feita com abstração das possibilidades, à luz dos elementos de convicção contidos no decreto de prisão. Em outras palavras, na via estreita do writ, a abordagem do julgador deve ser direcionada à verificação da compatibilidade entre a situação fática retratada na decisão e a providência jurídica adotada. Dessa forma, se os fatos mencionados na origem são compatíveis e legitimam a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, não há ilegalidade a ser sanada nesta via excepcional.

5. Hipótese em que o paciente integrava e chefiava organização criminosa, especializada no contrabando de cigarros, lavagem de dinheiro e falsificação de selos de IPI, bem estruturada, com tarefas definidas, e de alto poder econômico, o que torna imperativa a decretação da prisão cautelar para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, mormente porque descumprida, pelo paciente, a medida cautelar anteriormente imposta.

6. Nos termos do § 4º do art. 282 do Código de Processo Penal não há necessidade de intimação do paciente para a conversão da medida cautelar em prisão preventiva, em caso de descumprimento injustificado daquela.

7. Inadmissível a análise da questão da omissão do acórdão impugnado quanto a manutenção da suspensão da atividade empresarial exercida pelo paciente apta a ensejar a concessão de habeas corpus de ofício, em razão da alegação não ter sido enfrentada pelo Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância.

8. Ordem não conhecida. (meus grifos)

 

Assim, não procede a tese defensiva de prévia intimação para a conversão da medida cautelar em prisão preventiva no caso de descumprimento.

 

In casu, verifica-se dos autos é que houve a conversão das medidas cautelares em prisão preventiva pelo fato de os ora pacientes terem participado de um suposto protesto no dia 15/10/2014 na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, descumprindo, assim, a medida cautelar que proíbe a participação em manifestações e protestos.

 

O i. magistrado afirmou nas informações, como já dito, que uma das medidas cautelares impostas aos pacientes no acórdão relativo ao Habeas Corpus 0035621-68.2014.19.000 é a proibição de frequentar manifestações ou protestos, não importando se a manifestação é pacífica ou não.

 

As fotos anexadas no relatório policial referidas pela autoridade apontada como coatora mostram Elisa de Quadros Pinto Sanzi, vulgo “Sininho”, sentada e amordaçada, com uma bandeira do MEPR ao fundo, KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, vulgo “Moa”, presente no protesto e IGOR MENDES DA SILVA discursando.

 

Por sua vez, os impetrantes anexaram outras fotos do evento para comemorar o dia dos professores (15/10), onde se vê indígenas expondo seus artesanatos, crianças brincando e pessoas confraternizando.

 

Ainda, a defesa anexou um vídeo publicado no site youtube com uma entrevista com o Professor Eduardo Viveiros de Castro, com a finalidade de deixar claro a natureza cultural do evento que se realizaria no dia 15/10/201, sendo certo que este compareceu ao evento para dar aula, ao ar livre, a respeito dos direitos constitucionais dos índios, conforme declaração em anexo, publicada pelo mesmo por meio do “Facebook”.

 

A i. Procuradoria de Justiça afirmou que a proibição de frequentar manifestações ou protestos estipulada no acórdão foi ampla, não especificando se seriam pacíficas ou não.

 

Consignou, ainda, que:

 

Embora o acontecimento do dia 15/10/2014 possa ter transcorrido de forma pacífica e sem episódios de violência, as fotografias anexadas à petição inicial deste writ deixam bastante nítida a presença de faixas e letreiros de conteúdo político.

(…)

O orgulho demonstrado pelos participantes do evento denominado como “cultural”, deixa claro, dentre os atos praticados pelo grupo organizado, comemoravam o que, por certo, foi um dos mais repudiados pela população ordeira”. (meus grifos)

 

Fato incontroverso é que os pacientes de acordo com o acórdão mencionado não poderiam frequentar manifestações ou protestos, de acordo com o inciso II do art. 319 do CPP.

 

Tal dispositivo legal explicita como medida cautelar a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.

 

Cediço, da mesma forma, que também incontroverso que o acórdão não especificou realmente se a proibição de frequentar manifestaçoes ou protestos era apenas de atos não pacíficos.

 

Entretanto, em conformidade com o texto legal, a PROIBIÇÃO ESTÁ RELACIONADA AO FATO.

 

Dessa forma, toda medida cautelar está diretamente vinculada a uma determinada situação fática que ensejou a sua decretação.

 

Ora, os ora pacientes e os demais corréus foram denunciados por associação armada pela suposta prática de atos de vandalismos que ocorreram nas manifestações no Estado do Rio de Janeiro, onde alguns indivíduos se associaram de forma estável e permanente para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais.

 

Esse é o fato.

 

Compulsando todo o conjunto probatório, especialmente as fotos acostadas pela defesa e pela polícia, bem como a mídia, não resta dúvida, como bem salientou a Procuradoria de Justiça, de que o acontecimento de 15/10/2014 transcorreu de forma pacífica e sem episódios de violência, independente da presença de faixas e letreiros de conteúdo político no movimento cultural.

 

Dessa sorte, independentemente de o acórdão não dispor expressamente que a proibição frequentar manifestaçoes ou protestos era apenas de atos não pacíficos e políticos, o texto legal é claro ao mencionar que a PROIBIÇÃO ESTÁ RELACIONADA AO FATO e, sem a menor dúvida, o evento cultural no qual compareceram os pacientes trancorreu de forma pacífica, sem atos de vandalismo e violência.

 

Assim, a presença dos mesmos no evento cultural não tem nenhuma relação aos fatos pelos quais foram denunciados por associação armada, isto é, pela associação de forma estável e permanente para planejar ações criminosas, com a suposta prática de atos de vandalismos que ocorreram nas manifestações no Estado do Rio de Janeiro.

 

Não se pode olvidar que qualquer dúvida acerca da natureza do evento deve ser interpretada em favor do réu, sendo certo que não há comprovação nos autos de que os mesmos tenham se manifestado no evento cultural realizado no dia do professor e que eventual manifestação tenha realação com o fato.

 

Ao meu ver, o ato cultural não tinha natureza contestatória e não se enquadrava na categoria manifestação.

 

Ademais, como já afirmado, a vedação de proibição de manifestação e protesto foi genérica, o que pode ter propiciado incidência em erro dos ora pacientes, que se traduz na falsa representação da realidade.

 

Além disso, importante esclarecer que manifestar, de acordo com o dicionário de portugês on line, significa: “ …Declarar, revelar, divulgar…” e protestar significa: “… insurgir-se contra alguma coisa; reclamar; comprometer-se solenemente; afirmar solenemente, prometer; professar…”.

 

Então vejamos.

 

O relatório policial afirma que Elisa de Quadros Pinto Sanzi, vulgo “Sininho”, estava sentada e amordaçada no evento, com uma bandeira do MEPR ao fundo, que KARLAYNE MORAES DA SILVA PINHEIRO, vulgo “Moa” estava presente no protesto e que IGOR MENDES DA SILVA estava discursando.

 

Ora, eles em tal evento protestaram e manifestaram?

 

Praticaram alguma conduta descrita acima?

 

Certo é que a imprecisão do conceito da palavra manifestar pode compreender qualquer conduta ou propiciar incidência em erro.

 

Com efeito, num sentido amplo a proibição de manifestação compreenderia também o dever de silêncio, tal como imposto em determinadas ordens religiosas: o silêncio obsequioso.

 

Então, pergunta-se:

 

A proibição de manifestação imposta se estende a atos culturais, aos atos sociais e às manifestações da vida?

 

Que atos estão compreendidos na proibição de manifestação?

 

Em se considerando toda atividade coletiva humana como ato político, o que a distingue dos demais atos praticados no mundo da cultura?

 

Assim, entendo que a presença em ato cultural é parte da vida cidadã e não pode ser compreendida como participação no ato, que não visava protesto.

 

Fazendo um paralelo com a situação descrita nos autos, não se pode dizer que todas as pessoas que particpam de uma parada gay são gays; que todas as pessoas que se encontram na Marquês de Sapucaí para assistir ao Carnaval são foliões; que todos que acompanhem uma procissão sejam católicos e assim por diante.

 

Assim, os ora pacientes poderiam estar em um evento cultural, ainda que no mesmo houvesse a presença de faixas e letreiros de conteúdo político, sem que se possa afirmar que os mesmos estavam se manifestando ou protestando, como pretende fazer crer as fotos anexadas no relatório policial.

 

Alias, as fotos anexadas pela defesa, bem como a mídia, no mínimo, traduz uma realidade diversa da apresentada pela polícia.

 

Temos que distinguir o que a priori pode retratar uma falsa realidade ou percepção daquilo que se vê e daquilo que se pretende mostrar ou impor.

 

Como menciona Frei Beto no seu artigo publicado no Jornal O Globo sob o título “Caso Jobim, afinal reconhecido” aos 12/12/2014: “… Era evidente que ele havia sido colocado ali. Como Antígona, Lygia sabia muito bem que, sob ditaduras, nada é como parece”. (meus grifos)

 

Deve-se observar as fotos com total imparcialidade e, mais, analisar todo o conjunto fático para se chegar a conclusão de que houve ou não descumprimento de qualquer medida.

 

Não se pode entender, ainda que assim fosse, que todas as pessoas que estejam em um ato político ou não, pacífico ou não, cultural ou não sejam manifestantes.

 

Também não se pode concluir que todas essas situações mencionadas constituam infrações que possibilitem a aplicacão de medidas restritivas.

 

Cabe trazer à colação trecho do texto “Imagem não é tudo” da coluna do Jornal O Globo do advogado Mauro Bandeira de Mello no dia 09/12/2014 que ao comentar sobre a absolvição por falta de provas do líder comunitário “William da Rocinha” assim se manifestou:

 

“Imagens e gravações podem revelar muita coisa. Nos últimos tempos, temos assistido a uma avalanche delas, todas bastante comprometedoras, envolvendo gente pública e privada. Mas ainda acredito que não devemos perder a boa-fé. Pelo menos, vamos conceder o benefício da dúvida a determinadas pessoas que possam estar sendo julgadas por um único flash ou por uma sequência incompleta de imagens e áudios produzidos por criminosos”.

 

Importa ressaltar que o cidadão mencionado ficou preso há mais de ano para ao final o Tribunal de Justiça entender que a imagem na qual o mesmo aparecia no vídeo que supostamente o comprometia com o tráfico local não comprava a sua participação nos delitos.

 

Com efeito, como já frisado, os pacientes poderiam estar em um ato, seja de que natureza for, mesmo sem estar envolvido em qualquer ato de vandalismo ou violência, o que nem de longe é a hipótese dos autos.

 

Cabe trazer à colação ensinamentos dos limites da liberdade de expressão e de informação do advogado portugês Francisco Teixeira da Mota na revista Engrenagens de Poder: Justiça e comunicação social, Revista Sub Judice, 15/16, Coimbra, 1999, pág. 154:

 

“… todos os direitos têm limites, até mesmo que não escritos, e ao ponderar sobre uma colisão de direitos deve partir-se de uma igualdade a priori, depois, casuisticamente se verá qual deve prevalecer.

Vários critérios têm sido preconizados para vencer as situações de colisão de direitos, desde a ponderação de bens, do efeito recíproco, da concordâancia prática, enfim, da proporcionalidade”. (meus grifos)

 

Ademais, a possibilidade de grave dano à liberdade dos pacientes é latente, decorrente de possível equívoco na interpretação das restrições que lhe foram impostas, posto que não devidamente esclarecido no HC 0035621-68.2014.8.19.000 a amplitude da medida.

 

Com efeito, em que pese ter faltado clareza nos limites da restrição imposta, que poderia ter sido questionada por meio dos embargos de declaração, qualquer interpretação acerca da amplitude da restrição deve ser sempre favorável ao réu, como princípio de direito, sendo certo que qualquer falha ou dúvida não há de propiciar dano à liberdade, segundo mais precioso bem da vida protegido pela ordem jurídica; o primeiro é a própria vida.

 

Neste compasso, a constituição da República em seu artigo 5º, inciso XVI estabelece, in verbis:

 

 

“todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”

 

 

Ainda o artigo 220, § 2º dispõe que é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Refazendo, dessa forma, a leitura do v. acórdão que substituiu a prisão dos pacientes por cautelares menos gravosas, é crucial esclarecer que apesar de não estar evidenciado o tipo da vedação contida no decisum referenciado, é salutar relembrar que o direito à manifestação, asseverando-se, de forma ordeira e pacífica é uma garantia constitucional que não fora desconsiderada na decisão que substituiu a prisão preventiva dos pacientes por medidas cautelares menos gravosas, pois se assim o fosse, estaríamos proferindo um acórdão eivado de nulidade por afrontar direitos e garantias fundamentais, os quais mais uma vez estamos valorando o conteúdo da norma constitucional que deve ser fielmente efetivada.

Por derradeiro, afigura-se inviável considerar que os pacientes descumpriram a medida cautelar em evidência, posto que não restou caracterizado que os mesmos estivessem se manifestando de forma atentatória contra a ordem pública, fato que é distinto do cenário ora retratado nos autos e na mídia, conforme salientado pelo Juízo Coator.

Além disso, cediço que os § 4º e 6º do art. 282 do CPP dispõem que:

 

“§ 4o  No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). (meus grifos)

(…)

§ 6o  A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).“

Como bem leciona o mestre Guilherme de Souza Nucci na sua obra Prisão e Liberdade: “… Outro ponto positivo da nova lei é apresentar a prisão preventiva como ultima ratio (última opção), primando pelo respeito aos direitos e garantias individuais, de acordo com o princípio penal da intervenção mínima. Eis mais um contato entre princípios penais e processuais penais: a prisão preventiva, tanto quanto a lei incriminadora, passa a ter conotação de subsidiariedade …”(2ª tiragem, página 32)

 

Ora, como a decretação da prisão preventiva pela nova sistemática é a ultima ratio, mesmo que se admitisse eventual violação às restrições impostas, não haveria outras medidas a serem aplicadas que não a imposição da perda da liberdade, ainda mais em caráter cautelar?

 

O professor Luiz Flávio Gomes ao dissertar sobre o princípio da efetividade das medidas cautelares no seu livro Prisão e Medidas Cautelares:

 

“A primeira virtude deste § 4º diz respeito à natureza da prisão preventiva, que é a extrema ratio da ultima ratio. O direito penal é a ultima ratio do sistema de controle de infrações. A prisão preventiva é a última medida cabível.

Tudo deve fazer o juiz para não chegar a esse extremo, mesmo quando o acusado descumpriu suas obrigações.

O primeiro dever do juiz consiste em substituir a medida descumprida, caso encontre no ordenamento jurídico uma outra que possa atender a finalidade almejada (princípio da adequação). Pode ser que a medida antes imposta tenha sido inadequada (inadequação qualitativa ou subjetiva). Constatada a inadequação da medida anterior, compete ao juiz substitui-la.

Se a medida anterior foi adequada mas insuficiente, cabe ao juiz impor uma outra medida cumulativamente. Agora estamos diante do princípio da necessidade. Sendo necessária uma segunda medida para se alcançar o fim pretendido, nada impede que o juiz assim proceda.

Em último caso a lei conferiu ao juiz a possibilidade de decretar a prisão preventiva. A primazia é das medidas cautelares distintas da prisão. Só em última instância é que o juiz pode lançar mão do encarceramento.

Quem sabe o novo conjunto normativo venha a alterar a realidade prisional brasileira, que hoje está marcada pelo abuso das prisões cautelares…”. (2ª tiragem, pág. 73). (meus grifos)

 

Como se vê, caso o i. magistrado entendesse que no presente caso a restrição imposta foi insuficiente, caberia a substituição ou a imposição de uma outra medida diante do princípio da necessidade antes da aplicação da extrema ratio, já que o próprio ordenamento admite uma segunda medida para se alcançar o fim pretendido.

 

A medida extrema e excepcional da prisão preventiva parece desproporcional à conduta dos pacientes.

 

E mais, para que seja decretada a prisão preventiva, não basta, apenas, o descumprimento da medida cautelar imposta, é necessário que também estejam presentes os requisitos previstos nos arts. 312 e 313 do CPP.

 

Portanto, a segregação provisória, mesmo que fundada no suposto descumprimento de medida cautelar, não pode fugir aos critérios estabelecidos para as demais hipóteses de prisão preventiva, não se constituindo a situação do parágrafo único do art. 312 do CPP em causa bastante e suficiente por si só para o decreto de prisão.

 

Assim, não basta o descumprimento das medidas cautelares para a sua imposição.

 

O E. Professor Des. Geraldo Prado, ao referir a inadequada localização do parágrafo único do art. 312 do CPP, sustenta que : “Por isso a regra deveria estar disposta no artigo 313 do Código, cuja aplicação condiciona e está condicionada pelos requisitos e fundamentos previstos no artigo 312 do mesmo diploma: a prisão preventiva apenas poderá ser decretada se houver mérito substantivo (fumus commiissi delicti) e perigo processual (periculum libertatis) advindo do descumprimento das obrigações impostas por meio de outras medidas cautelares. Ainda assim, a decretação somente será possível se observado o critério da excepcionalidade e não terá lugar na falta de prognóstico de aplicação de pena privativa de liberdade (homogeneidade)”. (Medidas Cautelares no Processo Penal, RT, p. 144).

 

Como se vê, carece o decreto de prisão da indicação de uma das situações elencadas no art. 312, caput, do CPP, porque, repita-se, não se constitui a situação do parágrafo único do art. 312 do CPP em causa bastante e suficiente por si só para o decreto de prisão preventiva.

 

Dessa forma, revela-se mais adequado determinar nova advertência quanto às medidas cautelares e conceder nova oportunidade aos pacientes, em atenção ao princípio da proporcionalidade.

 

De fato, a prisão cautelar constitui medida excepcional, somente podendo ser aplicada em último caso, quando não forem cabíveis outras medidas menos gravosas.

 

Com efeito, os elementos dos autos não são suficientes a ensejar a imposição da medida extrema da prisão preventiva, que não se mostra proporcional, sobretudo diante da novel legislação.

 

Notório que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, proporcionalmente à sua população. Quase metade são presos provisórios. Mas, 40% daqueles que são encarcerados provisoriamente são absolvidos. E mais, muitos dos presos provisórios, quando condenados não sofrem pena privativa de liberdade.

 

Vivemos, na verdade, o paradoxo de que a renúncia ao devido processo legal, ao direito de defesa, ao contraditório e o reconhecimento do pedido de condenação implicaria pena menor que a imposta cautelarmente. Nestes casos, prende-se cautelarmente quando não se poderá prender com o trânsito em julgado de sentença condenatória.

 

Nesse contexto, deve ser oportunizado aos pacientes responderem ao processo em liberdade, com o restabelecimento das medidas cautelares diversas da prisão impostas anteriormente, devendo ser esclarecido que a medida cautelar referente à proibição de frequentar manifestações ou protestos deve ser interpretada de forma restritiva e diretamente relacionada aos fatos delituosos pelos quais foram denunciados, em atenção ao princípio da proporcionalidade.

 

Desta forma, vislumbro constrangimento ilegal tendo em vista a ausência de elementos concretos a justificar a necessidade de manutenção da segregação cautelar dos pacientes.

 

À conta de tais considerações, vislumbrando constrangimento na hipótese dos autos, dirijo meu voto no sentido da CONCESSÃO DA ORDEM, para revogar a prisão preventiva e restabelecer as medidas impostas anteriormente no Habeas Corpus nº 0035621-68.2014.8.19.0000, determinando ao MM Juízo a quo que nova advertência seja feita aos pacientes especificamente quanto à imposição da medida cautelar prevista no art. 319, II do CPP, devendo neste ato ser esclarecido que a “proibição de frequentar manifestações ou protestos” diz respeito àquelas organizadas para a prática de atos de violência e confronto armado com as forças de segurança e relacionadas aos fatos delituosos pelos quais foram denunciados.

 

Expeçam-se salvo conduto e alvará de soltura.

 

Recolham-se os mandados de prisão.

 

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2014.

 

 

Desembargador SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

Relator